A trajetória polêmica do “arqueiro” Rodrigo Janot

Antônio Assis
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A trajetória polêmica de Rodrigo Janot
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Folha de Pernambuco

"Enquanto houver bambu, lá vai flecha". O recado dado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em junho deste ano, poucos meses antes de deixar o cargo, era encarado nos bastidores de Brasília como o aviso prévio de um intenso bombardeio que viria a atingir a Capital da República.

Poucos dias antes da transição do cargo para a futura chefe do Ministério Público Federal (MPF), Raquel Dodge, na próxima segunda-feira, o que se viu foi uma tentativa de cumprir a promessa, com tiros que acabaram atingindo até mesmo a própria PGR, com denúncias que envolvem o ex-braço-direito de Janot, o procurador Marcelo Miller, suspeito de ter atuado ilegalmente a favor do acordo com a JBS.

Disposto a cumprir sua promessa, Janot redobrou esforços, acelerando o rumo das investigações e homologações de delações premiadas nos meses que antecederam o fim do seu mandato. O resultado foi a apresentação de denúncias em série contra membros da cozinha do PMDB e do Palácio do Planalto, a cúpula do PT e, na última quinta-feira (14), a segunda acusação contra o presidente Michel Temer, desta vez, pelos crimes de organização criminosa e obstrução de Justiça.

Já outros movimentos, como a revogação do acordo de delação do dono da JBS, Joesley Batista, e do executivo da J&F, Ricardo Saud, visaram minimizar os danos à imagem da instituição causados pelo polêmico acerto jurídico.

Para o ex-conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Henrique Mariano, os recentes movimentos do procurador tiveram como intenção por "um freio de arrumação" para deixar os trabalhos da instituição encaminhados para a gestão de Raquel Dodge.

"Ele teve essa preocupação, atuando com representações contra diversos partidos. Teve muita sorte por as gravações da JBS (revelando falhas no fechamento do acordo de delação) terem sido divulgadas na sua gestão, para que ele reconhecesse que houve um equívoco ", avaliou.

O acordo de delação envolvendo a JBS é visto como o ponto frágil da gestão de Janot. "A conduta dos dois procuradores que foram presos colocam a PGR em situação desconfortável, mas, não é porque eles cometeram atos reprováveis que toda a instituição seja atingida. Não atingirá a conduta de Janot que foi notável no combate à corrupção", afirmou o procurador do Ministério Público de Contas de Pernambuco, Crisriano Pimentel.

Lava Jato
"A PGR na gestão de Janot teve um papel importante no fortalecimento da Lava Jato. Não se pode deixar de destacar alguns equívocos cometidos há alguns meses, seja no âmbito das negociações entabuladas com dirigentes da JBS, seja em relação à postura pública por ele adotada por ocasião das denúncias apresentadas contra o presidente, onde houve flagrantes excessos verbais", afirmou o presidente da Seccional pernambucana da OAB, Ronnie Duarte.


Na visão do professor de Direito Constitucional da UnB, Juliano Zaiden Benvindo, pode-se atribuir a Janot o fato de ter colocado o MPF no centro da vida política do país. “É importante criar uma nova consciência sobre vigiar a coisa pública. Todavia, é preciso ter um certo respeito pelas garantias processuais. Em alguns momentos, isso chegou no limite”, avalia Juliano. Por via da caneta de Janot, foram denunciados cinco presidentes: José Sarney, Fernando Collor, Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer. “Janot mexeu com gente grande, que vai cair em cima dele agora”, acredita.

Se protagonizou polêmicas e momentos memoráveis e controversos, também ostentou uma produção notável. Dados referentes à Operação Lava Jato no segundo período de Janot na Procuradoria (2015 a 2017) mostra que foram feitos 242 pedidos de abertura de inquérito, 98 pedidos de busca e apreensão, de interceptações telefônicas e quebras de sigilo bancário e que 66 denúncias foram enviadas à Justiça.

Lista de Janot 
Em 6 de março de 2015, o atual procuraror tornou-se o autor da relação de inquéritos contra políticos enviada ao STF que ficou conhecida como “lista de Janot”. À época, 50 políticos foram alvos de pedido de inquérito. No começo deste ano, o procurador emitiu nova lista. Dessa vez, com a abertura de inquérito contra 83 parlamentares e ministros de Estado.

Ao assumir a Lava Jato, Janot passou a conviver com acusações de que estaria perseguindo grupos políticos. Durante o governo Dilma, foi taxado de cumprir 'o plano da oposição'. Já no governo Temer, Janot foi, diversas vezes, acusado de prejudicar a administração.

A procuradoria, sob a sua tutela, conseguiu no STF três fatos inéditos, o afastamento de um presidente da Câmara (À época Eduardo Cunha); a prisão de um senador (Delcídio do Amaral) e, além disso, um inquérito criminal contra um presidente (Temer).

Ao longo dos últimos anos, por seu estilo combativo, colecionou desafetos. Entre os “inimigos”, destaca-se o ministro do STF, Gilmar Mendes, que na última quinta comemorava o final do mandato do seu rival com versos de Mario Quintana. “Eles passarão, eu passarinho”, declamou Mendes.

Dodge
A partir desta segunda-feira (18), as flechas disparadas por Janot serão conduzidas pela nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Não há possibilidade, no ordenamento jurídico brasileiro, de que as ações impetradas sejam retiradas, mas ela terá o papel de ser o fio condutor dos julgamentos de lideranças políticas de relevo no STF.

"A expectativa é que a mudança não comprometa a independência da instituição no combate à corrupção", avalia Henrique Mariano. "Esperamos que ela conduza a PGR de maneira mais serena e menos emocionada, respeitando sempre a liturgia do cargo que ocupa e garantindo que a Lava Jato e operações correlatas possam seguir no importante processo de apuração", avaliou Ronnie Duarte.

A relação de Janot com sua sucessora também não é das mais ami­gáveis. Na sexta, disse que não irá à cerimônia de posse. A alegação é que não foi convidado. A solenidade será na se­de da PGR e terá a participação do presidente Temer. A assessoria de Dodge informou que o cerimonial enviou convites eletronicamente para Janot e todos os sub-procuradores-gerais.

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