Jornal Hoje em Dia
Mesmo com dores intensas por causa de uma osteoporose, a costureira Jurandira de Sousa Melo, de 75 anos, trabalha de seis da manhã até a noite. O esforço para sobreviver, entretanto, não é suficiente para melhorar as próprias condições de vida. Jurandira mora ao lado de um córrego com esgoto a céu aberto e gasta boa parte do rendimento mensal com remédios. É mais uma vítima dos desvios de recursos públicos, responsáveis por elevar em pelo menos 5% a proporção de pobres nas cidades brasileiras, como mostra a terceira matéria da série sobre corrupção do Hoje em Dia.
É o que atesta a pesquisa de doutorado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) “Os impactos da corrupção no desenvolvimento humano, desigualdade de renda e pobreza dos municípios brasileiros”. Segundo o estudo, cada 50 irregularidades praticadas pelas prefeituras geram uma queda de 4,5% no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M). Ao mesmo tempo, aumentam em 6,5% a concentração de renda no país. Ou seja, a população mais carente é a maior vítima da corrupção.
Os atos ilícitos seriam capazes ainda de reduzir a renda dos menos favorecidos em até 7%. Essa é exatamente a sensação de dona Jandira, que ganha cerca de R$ 1 mil por mês e tem a impressão que sobra mês para o salário. É com esse dinheiro que ela paga, por exemplo, os R$ 200 em medicamentos. “O dinheiro da gente não dá para nada. Antes, eu ganhava remédios no posto, mas agora nem aspirina de graça tem mais. Enquanto isso, lá em cima esses políticos ficam roubando nosso dinheiro”, reclama.
estudo leva em conta os dados de acompanhamento dos municípios levantados pela Controladoria Geral da União (CGU). Entram nesse levantamento irregularidades como o direcionamento de licitações, superfaturamento e desvio direto de recursos, dentre outros atos ilícitos. “A ideia principal é que, quando tem corrupção, a verba que seria destinada para melhorar a vida da população é desviada. Então, os mais carentes, que dependem de serviços públicos, sofrem diretamente essa ausência”, afirma um dos autores da pesquisa, Flavius Sodré.
Ele lembra que a corrupção tem um efeito multiplicador, impedindo o desenvolvimento econômico e social do país. Se o recurso de uma escola é alocado para outra função, centenas de crianças sofrem com queda na qualidade do ensino. E, com isso, são reduzidas as chances de competirem em pé de igualdade no mercado de trabalho futuramente. Ou seja, trava um possível processo de ascensão social.
“Não é atoa que, mesmo sendo uma das maiores economias mundiais, o Brasil é um dos países com maior nível de desigualdade de renda e elevados níveis de pobreza”, afirma. Outro fator que pode aumentar a pobreza no país é a atuação do parlamento. Segundo pesquisa do Transparência Brasil, estados mais pobres possuem gastos parlamentares em média 20% mais elevados do que os mais ricos. Dentre esses gastos foram incluídos salários, verbas e auxílios diversos a deputados e vereadores. Já entre as capitais, as mais pobres gastam cerca de 16% a mais.
Como há limitações legais para salários de deputados e vereadores, em alguns estados e municípios são usadas outras fontes, como as verbas indenizatórias, para elevarem os rendimentos. Segundo o levantamento, o peso do parlamento para o PIB dos estados tende a ser maior quanto mais pobre a região. Em Minas Gerais, o orçamento para arcar com os custos da Assembleia Legislativa é de apenas 0,32% do PIB. Já em Roraima é 2,26%.
“O maior problema da corrupção é que alguns municípios têm a economia dependente de repasses do governo federal e estadual e possuem vereadores com remuneração maior, por legislarem em causa própria. E isso afeta a vida de muitos brasileiros”, afirma a coordenadora de pesquisas da Transparência Brasil, Juliana Sakai.