Jonas cortou cana entre 7 e 15 anos de idade. Agora é médico.
Foto: Alexandre Gondim / JC Imagem
JC Online

Embora a colação seja daqui a três dias, oficialmente os quatro já são médicos. Tiraram o registro no Conselho Regional de Medicina (Cremepe) semana passada. Não perderam tempo e arrumaram logo plantões em unidades de saúde do Grande Recife e interior. “O coração bateu acelerado. Peguei meu CRM de manhã e no fim da tarde estava na UPA de Nova Descoberta (Zona Norte do Recife). Deu um frio na barriga. No caminho fui refletindo, pensando: será que eu consigo? Graças a Deus deu tudo certo, encontrei amigos com quem convivi na faculdade e foi tudo bem”, relembra Márcio, que se despede da CEP após 11 anos morando lá. “Não dormi direito, estava nervoso para pegar o CRM. Fiquei um tempão olhando para a carteira de médico”, relata Jonas.
Entre os 7 e 15 anos, Jonas trabalhou ao lado da mãe, cortando e limpando cana-de-açúcar, nos engenhos da cidade de Joaquim Nabuco, na Zona da Mata pernambucana, onde reside sua família. Desse tempo, lembra do sol forte e da dor nas costas. Acordava cedo, ainda de madrugada, e seguia para os canaviais. Café e farofa de fubá misturada com charque eram o combustível para a lida. “Foi um tempo difícil. Meu pai é pedreiro, somos sete filhos. Ele viajava para outros Estados para arrumar trabalho, enquanto minha mãe cuidava da gente. Se não trabalhássemos, não havia o que comer”, diz Jonas, que também vendeu picolé, carregou frete, vendeu frutas e deu aula particular.
Apesar da dificuldade financeira, Jonas e os irmãos eram estimulados a frequentar a escola. Em 2005, concluiu o ensino médio na Escola Estadual Coronel Alfredo Brandão, em Joaquim Nabuco. No ano seguinte veio para o Recife morar na casa da irmã mais velha, em Piedade, Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, com o objetivo de preparar-se para o vestibular. Não viu o nome no listão por três anos seguidos.
Somente em 2009, quando teve bolsa de estudos num cursinho particular e vaga para morar na Casa do Estudante, seu esforço foi recompensado. Até recebido pelo então governador Eduardo Campos, no Palácio do Campo das Princesas, ele foi. A inclusão da cota para candidatos egressos de escola pública, política inclusiva adotada pela UPE um ano antes, em 2008, contribuiu para o acesso de Jonas, Márcio, Paulo Cézar e Josimar ao ensino superior. Atualmente, a universidade tem cerca de 20 mil alunos na graduação, dos quais 4.628 são cotistas.
O caminho de Márcio também não foi fácil até conseguir o diploma de médico. Em 2005, nos primeiros meses como morador da CEP ele era penetra, como os xepeiros chamam quem não é oficialmente da casa. “Eu dormia num colchão no chão, cozinhava no quarto, enquanto os colegas tinham direito à refeição na casa. Uma vez fiz prova do vestibular com fome, sem ter tomado café da manhã”, relata Márcio, aprovado na quinta tentativa, em 2009.
Sobrevivia com pouco mais de R$ 100 que a mãe, costureira, mandava todo mês. “A família foi fundamental. Durante esse período minha namorada, hoje esposa, ficou grávida. Ía voltar para o Sertão e assumir meu filho. Meu sogro me tranquilizou. Disse que eu poderia continuar estudando porque ele cuidaria do neto até que o pai dele fosse doutor. E assim fez”, diz Márcio, pai de Bruno, 8 anos. Em setembro nasce Lara.
Paulo Cézar, sertanejo de Parnamirim, é o segundo filho de um casal de caminhoneiro e dona de casa. “Para quem chega do interior, o Recife é uma cidade imensa, a gente se sente uma formiga no meio da multidão. Passei em medicina após cinco tentativas. O sentimento agora é de dever cumprido”, comenta Paulo, que já voltou para sua cidade. Planeja trabalhar por lá por um ou dois anos antes de começar a residência.
Josimar é o penúltimo filho de dois agricultores de Carnaubeira da Penha, também no Sertão. Antes dele, três irmãos passaram pela CEP e se formaram em enfermagem e farmácia. Ainda tem um cursando odontologia. Ele pretende morar em Mato Grosso, pois a noiva vai cursar medicina lá.
O recado (e as histórias dos quatro rapazes) é o mesmo: invista nos seus sonhos. “Não sou melhor nem pior que ninguém. Apenas corri atrás do que sonhava”, destaca Jonas. “A maior lição que aprendi é perseverar. Dificuldade surge para todo mundo. O que muda é se você vai enfrentá-la ou aceitar o problema. Eu decidi que não voltaria para minha cidade igual a todo mundo. Consegui”, observa Márcio.