Tâmara Teixeira
O Tempo
A distância entre o discurso e a prática de parte dos políticos brasileiros sempre bateu grandes metragens, impossíveis de serem percorridas sem muito esforço dos eleitores. Mesmo sabendo do lastro duvidoso de muitas promessas dos representantes públicos, alguns casos superam a discrepância e chegam ao patamar do antagonismo, fazendo jus ao ditado popular “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, sem distinção de partidos.
Começando com um exemplo de cima, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciou uma série de medidas para contenção de custos na Casa. Ao todo, a economia, segundo ele, deve chegar a R$ 262 milhões ao ano – R$ 160 milhões só com redução de contratações e nomeações. O senador, no entanto, ignorou a filosofia de economia ao recorrer a um voo da Força Aérea Brasileira (FAB), em dezembro. Ele saiu de Brasília rumo a Recife, onde faria um implante de cabelo. Exposto, Renan devolveu R$ 27 mil referentes à viagem.
O “deslize” foi reincidente. Em julho, o peemedebista precisou devolver R$ 32 mil por uma viagem com avião da FAB para Trancoso, na Bahia.
Ainda no Legislativo, após as manifestações populares, os deputados ressuscitaram projetos moralizantes em uma agenda para lá de positiva. Um mês após o fim dos protestos, na primeira oportunidade para mostrar uma nova postura, livraram da cassação o deputado Natan Donadon (sem partido-RO), preso por desviar R$ 8,4 milhões da Assembleia de Rondônia.
No Executivo, o gasto milionário da União com campanhas contra acidentes e pela educação no trânsito não atingiram a presidente Dilma Rousseff. Em dezembro, ela foi flagrada com o neto no colo no banco de trás de um veículo sem cinto de segurança. Com a repercussão, Dilma pediu desculpas.
De que lado? Então aliado de primeira hora do ex-presidente Lula e da presidente Dilma, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), não demonstrou qualquer constrangimento ao, do dia para a noite, arrebatar Marina Silva para sua pré-candidatura à Presidência da República, e começar a lançar ataques contra o PT.
A dupla se apresenta como proposta de uma “nova política”, mas namora em diversos Estados o apoio do PSDB, menos por afinidade programática do que por interesses eleitorais. A ex-senadora, fundadora da Rede, não parece se incomodar com a aliança, que surpreendeu o cenário político.
Telhado de vidro. O descompasso entre o que se prega e o que se faz não é exclusividade do Executivo ou do Legislativo. O Ministério Público de Minas denunciou os supersalários em diversos órgãos, mas pelo menos cem de seus servidores mantêm vencimentos acima do teto constitucional de R$ 28.059. O Tribunal de Justiça de Minas, que julga diversas ações referentes ao tema, também mantém centenas de juízes e funcionários com contracheques fora da lei.