Tércio Amaral
Diário de Pernambuco
Imagine um político que tira dinheiro do próprio bolso para pavimentar ruas, realizar serviços de drenagem ou mesmo melhorar o acesso às calçadas? Este perfil ainda existe graças a falta de capacidade do estado em resolver os problemas da população e os resquícios culturais do assistencialismo. Colocando literalmente a mão na massa e estreando o primeiro mandato na Câmara Municipal de Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, o vereador Nivaldo do Gás (PRP), de 31 anos, pode até ter um perfil discreto, mas movimenta a rotina da comunidade do Jardim Jordão em lugares onde o “poder público” não chega. Pelo menos com a rapidez devida. Eleito com 2.223 votos, o legislador, que mora numa casa de três quartos no bairro, planejada por ele mesmo, retira parte dos R$ 15 mil que recebe na Câmara para ajudar “os menos favorecidos”.
A receita é curiosa. Nas ruas, há trabalhos feitos por Nivaldo. Ele faz questão de participar da realização das obras. Faz massa para cimento, carrega tijolos e até leva pessoas da comunidade para hospitais. Desde o ano passado, tem uma ambulância com dois motoristas, mas paga num financiamento de 36 prestações. A demanda por atendimentos na casa dele é constante. Perguntado, porém, se este não seria um dever do serviço público, ele responde diretamente: “se você for esperar a ambulância do Samu chegar aqui partindo da Imbiribeira (no Recife), com esse trânsito e a demanda que eles têm, pode ser tarde demais. Só não transportamos quando o caso é mais grave e é necessário um especialista. Faço isto pelo povo”, acrescenta.
Com apenas o ensino médio completo, o vereador de Jaboatão é um personagem interessante, até porque não demonstra paixão pelas questões estritamente partidárias. Seu discurso gira em torno da melhoria das condições de vida de sua comunidade. Ao ter conquistado seu mandato pela oposição, aderiu ao governo do prefeito Elias Gomes (PSDB). Justificativa: “o vereador que está no governo tem mais condições de trazer obras para a comunidade”. Do tucano, ele pondera que faz uma boa gestão, melhorando o saneamento e a questão histórica do lixo na cidade. O mandato também representou um salto em sua formação.
Desde o começo deste ano, ele cursa a administração de empresas na Faculdade Guararapes (FG). A volta à sala de aula tem um motivo: melhorar seu desempenho no trabalho público. Nivaldo pensa em seguir os estudos e se especializar em gestão pública. Sobre a política, também tem seus planos. Pretende, na eleição de 2024, ser candidato a prefeito em Jaboatão dos Guararapes. Ele faz as contas, apresenta números e possibilidades, entre elas, disputar um cargo de deputado na Assembleia Legislativa de Pernambuco antes de conquistar o cargo no Executivo municipal. “Vai ter o momento em que quem estar no poder não poderá disputar a reeleição. Será o momento que eu vou me candidatar e promover a renovação”.
Dos benefícios e favores à população, é preciso levar em consideração um fator: seu trabalho pode ser vigiado pela Justiça Eleitoral. Um especialista em direito eleitoral da Estácio de Sá, ouvido pelo Diario, que atua no mercado e pediu reserva, destacou que não é proibida a “caridade”, nem a ajuda na construção de obras que deveriam ser realizadas pelo poder público. O único problema seria se, ao realizar os serviços ou o atendimento, o vereador exigisse a troca do serviço por votos, a exemplo um cadastramento com o título de eleitor com pessoas atendidas. Então, até lá, caso não seja confirmada nenhuma denúncia sobre este tipo de relação, Nivaldo poderá continuar fazendo sua política, a seu modo, representando um estado que não chega no tempo certo.
População “acha errado”, mas aceita os favores
Nas ruas do Jardim Jordão, há poucos registros de calçamento, alguns, inclusive, foram intervenções feitas pelos próprios moradores do bairro. Nivaldo, que chegou a concorrer à uma vaga na Câmara de Vereadores pelo PTC, em 2008, e não saiu vencedor na primeira disputa eleitoral, mostra alguns dos seus trabalhos feitos antes e depois da conquista do mandato. Nas suas contas, seis trabalhos foram realizados antes de sentar numa das 27 cadeiras da Câmara Municipal. Os moradores atendidos têm quase a mesma opinião: todas as intervenções são bem-vindas, mas deveriam ser realizadas pelo poder público.
“Foi um benefício para todo mundo, ninguém conseguia andar direito aqui. Minha mãe caiu várias vezes”, conta a estudante Aline Maria da Conceição, de 22 anos, ao mostrar a escadaria construída por Nivaldo na Rua Goianinha. “Mas isto aqui não deveria ter sido feito por ele. Eu gostei, mas era a prefeitura que tinha que fazer tudo isso, como não faz…”, completou. A escadaria foi construída por Nivaldo do Gás na comunidade em junho deste ano. Os moradores contam, espontaneamente, que ajudaram na obra, mas não pagaram por nenhum material de construção.
“Eu moro aqui mais de 25 anos, ninguém nunca mexeu. Graças a ele, temos isso aqui, é pouco, mas já é alguma coisa”, relatou o segurança José Roberto do Ó, de 55 anos, que mora na localidade com 4 filhos e a mulher. As intervenções de Nivaldo são focadas na melhoria de canaletas, drenagem, conservação de postes e até calçamento de ruas, mesmo que improvisados apenas com cimento. O servente José Cordeiro Filho, de 30 anos, relata que teve a rua calçada por Nivaldo na época em que ele ainda era um entregador de gás. “Ninguém pagou nada, ele usou mais de 24 sacos de cimento, fizemos uma feijoada para comemorar e ainda teve candidato a vereador querendo a paternidade da obra. Eu trouxe o pessoal aqui e mostrei quem foi que realmente fez".