Polo de Confecções: colegiados debatem valorização profissional de costureiras

Antônio Assis
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Elas formam a base da cadeia produtiva do Polo de Confecções do Agreste. Mas, embora sejam de fundamental importância, as costureiras que prestam serviço às fábricas e lojas da região trabalham em situação precária. Só recentemente, passaram a despertar para condições dignas de trabalho e de sobrevivência, além de acesso a direitos básicos.

Para debater formas de valorizar essa mão de obra, as Comissões de Cidadania e Direitos Humanos e de Defesa dos Direitos da Mulher realizaram, nesta terça (26), uma audiência pública conjunta. O tema do encontro foi “Mulheres, Direitos Sociais e Trabalho: Uma Agenda das Mulheres da Economia Solidária e do Polo de Confecções de Pernambuco”.

Santa Cruz do Capibaribe, Toritama e Caruaru são alguns dos 11 municípios que compõem o Polo Têxtil do Estado. A zona emprega mais de cem mil pessoas e é responsável por 16% da produção de roupas do Brasil. As costureiras, também chamadas de faccionistas, representam um segmento à parte nesse cenário.

“Elas não têm registro profissional, são pagas pela quantidade de peças produzidas, o que as obriga a trabalhar de 12 a 15 horas por dia. Ainda assim, apenas 40% conseguem receber o equivalente a um salário mínimo por mês”, afirmou Liliana Cabral de Barros, integrante do Coletivo Mulheres Cidadania Feminina.

ANÁLISE – Segundo a economista Milena Prado, do Dieese, trabalho faccionado traz desafio para proteção social e legalização trabalhista. Foto: Evane Manço

O grupo reúne oito organizações da Região Metropolitana do Recife, que realizaram um trabalho no Polo de Confecções. “Cada organização foi para uma cidade a fim de levantar a situação das trabalhadoras. Em Santa Cruz do Capibaribe, por exemplo, todas as casas tornaram-se minifábricas”, relatou a participante.

“Morando em condições insalubres, essas mulheres perdem a vivência em família, pois todos acabam se envolvendo no trabalho. Elas não conseguem acompanhar o desenvolvimento dos filhos, nem atendê-los quando doentes e, quase sempre, param de costurar em razão de algum problema postural irreversível. Muito dinheiro é gerado em cima dessa exploração. Precisamos unir forças para garantir proteção social.”
Cenário

Representando o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Milena Prado explicou que a entidade acompanha as costureiras do Polo desde 2018, por meio do Projeto Vozes da Moda. Segundo a economista, a atividade faccionada desafia a proteção social e a legalização trabalhista.

“A mulher tem um papel importante nessa cadeia, pois a costura é uma atividade feminina. Elas geram riqueza para a região, mas não têm acesso aos direitos trabalhistas e previdenciários. No começo, atuar no espaço familiar foi favorável porque facilitava a observação dos filhos, mas, com o tempo, as mulheres sentiram a falta de creches e de uma separação entre a vida familiar e a laboral”, destacou.

EXPLORAÇÃO – “Costureiras têm jornadas extensas, cuidam da casa, da família e da comunidade”, destacou Betânia Ávila, da SOS Corpo. Foto: Evane Manço















   


Betânia Ávila, da organização não governamental (ONG) SOS Corpo, lembrou que, historicamente, determinadas funções sempre couberam à mulher, independentemente das condições. “As costureiras têm jornadas extensas, cuidam da casa, da família e da comunidade simultaneamente. São obrigadas a aceitar uma estrutura desigual e cruel. Além disso, não há tempo para estudar ou buscar uma oportunidade melhor. É um lugar de exploração profunda, que rouba o tempo e compromete o futuro delas.”
Estudo

A doutoranda em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande (PB) Virgínia Vasconcelos tem realizado estudos sobre as condições de trabalho na região. Para a pesquisadora, antes de pensar em políticas públicas para atender as trabalhadoras do Polo, é preciso ter em mente que ele não é homogêneo.

“Lá existem muitos formatos de empresas e de atividades laborais. Algumas são estruturadas, outras são de fundo de quintal; algumas fazem contratações regulares e outras não. Também é preciso compreender a cultura local e o pensamento dos trabalhadores. Muitos não se sentem explorados porque não sabem que têm direitos. É necessário haver a escuta e a conscientização ao mesmo tempo”, frisou.

DIREITOS – Para Virgínia Vasconcelos, é preciso “haver escuta e conscientização ao mesmo tempo”. Foto: Evane Manço

De acordo com Virgínia, 80% dos negócios do Polo são informais. Ao aplicar uma consulta pública com mais de cem mulheres, descobriu-se que, entre os problemas apontados, estão a baixa remuneração, a renda incerta e a falta de vínculo empregatício. A pesquisa ainda revelou que há espaço para a criação de cooperativas e de associações, o que pode viabilizar uma mudança na estrutura de trabalho.
Fiscalização

Procuradora do Ministério Público do Trabalho, Débora Tito Farias enfatizou que o órgão fiscaliza as facções há muitos anos, autuando as empresas em caso de infração. “São necessárias políticas públicas para mudar a realidade das costureiras. Escutá-las vai possibilitar que haja valorização desse trabalho. Se o caminho for as cooperativas, apoiaremos; se for a formalização, também estaremos de acordo”, observou.

A secretária estadual da Mulher, Ana Elisa Sobreira, salientou que é necessário um conjunto de forças para modificar esse cenário. “As costureiras fazem parte do grupo prioritário da pasta. Estamos desenvolvendo estratégias no sentido de valorizar a atuação dessas profissionais”, explicou. Para Juliana Gouveia, secretária de Políticas para Mulheres de Caruaru, os municípios precisam de incremento orçamentário: “Já estamos incentivando a economia solidária em parceria com o Dieese”, ressaltou.

Já o superintendente de Atração de Investimentos da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado, Diogo Beltrão, informou que o órgão promove ações em benefício dos trabalhadores do Polo. Entre elas, cursos de capacitação, reforma de áreas e implantação de sinalizações, além da compra de três milhões de máscaras durante a pandemia. “Estamos à disposição para receber sugestões”, avisou.

CAMINHO – Presidente da Comissão de Cidadania, Jô Cavalcanti acredita na economia solidária como melhor alternativa para dignificar a atividade. Foto: Evane Manço

Ao final da reunião, a presidente da Comissão de Cidadania, deputada Jô Cavalcanti, do mandato coletivo Juntas (PSOL), defendeu a economia solidária como “a melhor alternativa para dignificar o trabalho das costureiras”, que atuam irregularmente e não têm direito a uma remuneração justa. “Vamos elaborar um documento com sugestões propostas no encontro para encaminhar ao Governo do Estado. Capacitação, assistência médica e psicológica, creches e registro profissional, bem como linhas de crédito específicas foram algumas ideias apresentadas”, acrescentou.

A deputada Teresa Leitão (PT) também defendeu a organização das trabalhadoras. “São muitas as precariedades. Insalubridade, mistura de vida privada com atividade laboral, falta de proteção social, entre outras, que foram agravadas durante a crise sanitária da Covid-19. A luta é árdua, mas esperamos que as propostas que surgiram se revertam em soluções”, completou.

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