Ativismo digital e cidadania proliferam nas redes sociais

Antônio Assis
0

Izabel Albuquerque, fundadora do Meu Recife, conseguiu evitar aumento no auxílio-alimentação dos vereadores com ativismo digital
Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem

JC Online

Mais de 4,5 mil e-mails contrários à construção da Arena Porto foram recebidos em 12 horas pelos gestores da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), em novembro de 2016. O empreendimento em Porto de Galinhas acabou embargado. O movimento online foi encabeçado pelo Meu Recife, braço pernambucano de uma rede de ativismo digital brasileira premiada pela ONU. Em abril deste ano, o grupo conseguiu revogar o aumento para R$ 4,5 mil do auxílio-alimentação da Câmara do Recife depois de enviar 1,3 mil e-mails para cada vereador.

O uso de mídias sociais e ferramentas digitais para cobrar medidas do poder público tem se multiplicado nos últimos anos. “Hoje em dia, todo ativismo tem que ser, de uma forma ou de outra, digital. É a plataforma mais democrática e uma ferramenta para impulsionar os nossos discursos”, afirma a publicitária Izabel Albuquerque, fundadora do Meu Recife. “É muito mais fácil para atingir as pessoas com uma linguagem mais acessível. Mas é mais difícil de converter aquele clique ou envio de e-mail em uma participação efetiva nos espaços de decisão ou em um protesto”, ressalta.

Nos bairros, o WhatsApp virou a principal rede de contato direto com representantes do poder público, como Emlurb, Polícia Militar e a Secretaria de Defesa Social (SDS). A violência tem sido uma das principais preocupações desses movimentos.

O Grupo de Governança Comunitária do Alto José do Pinho usa o aplicativo para trazer o poder público para reuniões na comunidade e ouvir demandas. “Em alguns casos a gente cria canais diretos de comunicação em setores específicos”, disse o coordenador de projetos do grupo, Roberto Renato Carneiro. Por meio de fotos, vídeos e textos, os moradores fazem suas denúncias. “A gente recebe registro de problemas e vai intervir nessas realidades”, afirma Roberto. Entre as demandas atendidas graças à articulação nas redes, estão o Plano de Mobilidade do Alto José do Pinho. Ruas tiveram o tráfego reorganizado para dar mais fluidez ao transporte público, numa ação integrada da PM com a CTTU.

Com o grupo de WhatsApp Casa Forte Mais Segura, moradores do bairro conseguiram levar para reuniões três secretários municipais do Recife, delegados e o comandante do batalhão que atende a região. Obtiveram também queda no número de roubos e assaltos, mudança no trânsito e ações de iluminação. As sugestões vieram após caminhadas pelo bairro para identificar problemas. Coordenador do grupo, o empresário Yves Nogueira tem sido procurado por moradores da Jaqueira e Rosarinho interessados em replicar a experiência.

FR261017001

Na Zona Sul, o Coletivo Setúbal também conseguiu reduzir o número de crimes ao patrimônio após mapear todas as ocorrências como assaltos e arrombamentos, além de listar 26 pontos críticos de iluminação no bairro. Pelo WhatsApp, morados avisam à polícia quando e onde um crime está ocorrendo em tempo real, além de ajudar a repassar imagens de câmeras de vigilância. A Emlurb e a Compesa fizeram mutirões no bairro e o coletivo realiza reuniões mensais com a polícia. “O aplicativo facilitou a publicidade dessas demandas. Antes, as informações ficavam dispersas”, explica a advogada Paula Rúbia.

O Centro Educacional Popular Saber Viver, que atua há 34 na Ilha de Deus, na Imbiribeira, tem a inovação e a sustentabilidade como principais pilares. Mantido com doações e trabalho voluntário, o centro aposta na comunicação digital para combater a invisibilidade de uma região por anos esquecida. O Saber Viver administra três sites, um deles em alemão, por meio de parceria entre organizações e o governo da Alemanha, além da atuação por meio das redes sociais. “A Ilha de Deus é uma comunidade praticamente esquecida pelos órgãos públicos. Fazendo essa divulgação, traz muita visibilidade. A gente consegue mais parceria”, afirmou Maurício Herculano, integrante da equipe de comunicação do centro.
Contato com gestores estreitado

Saber que deputado vota parecido com o que você pensa, quantos parlamentares ultrapassaram o teto salarial do serviço público ou descobrir qual legislador gastou mais dinheiro da cota da atividade parlamentar. O Laboratório Analytics, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), se especializou na criação de sites para fiscalizar atuação política, com o apoio do Ministério Público, do Tribunal de Contas e da Controladoria Geral da União (CGU).

A ideia inicial foi usar o trabalho já desenvolvido de mineração de dados para tentar mudar o incômodo ambiente político. “A tecnologia serve como uma nova forma de participar da política ao permitir que o cidadão questione os políticos sobre medidas que eles tomaram durante o mandato”, afirma o o professor da UFCG Nazareno Andrade.

FJ251017007

Para o professor Camilo Aggio, do Grupo de Estudos em Democracia Digital da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ainda que se identifique um esforço, não dá para dizer que o poder público está preparado para lidar com as demandas. “Tem setores do poder público que estão se preparando. Isso é fundamental, por exemplo, em iniciativas de orçamento participativo através de mídias digitais. É uma possibilidade que determinados bairros utilizem de reuniões especiais, mas também através de aplicativos e de sites para a definição de demandas”, explica.

No Recife, um bom exemplo é o Colab.re, um aplicativo que permite que os cidadãos sugiram ações à prefeitura ou cobrem a solução de problemas, como falta de iluminação e buracos. Através do programa, o município avisa o encaminhamento dado à demanda. Desenvolvido em Pernambuco, o aplicativo é adotado em mais de 30 cidades brasileiras. Em 2013, foi eleito o melhor app urbano do mundo pela ONG canadense New Cities Foundation e, dois anos depois, foi escolhido como um dos cinco melhores aplicativos de governo e participação pela ONU. Foi quando a cidade aderiu ao modelo.

Nos últimos 19 meses, mais de 2,2 mil publicações foram feitas pelos recifenses através da ferramenta. Segundo a prefeitura, as informações geram um banco de dados que é transformado em informações para solução das questões apontadas pelos usuários, como alagamentos, queda de árvores, buracos nas vias, calçadas que precisam de reparos, semáforos desligados, entre outros.

Postar um comentário

0Comentários
Postar um comentário (0)