De catador de lixo a líder da maior empresa do País em reciclagem veicular

Antônio Assis
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Mariama Correia, da Folha de Pernambuco

No dicionário do empresário Geraldo Rufino, algumas palavras têm significado distinto. Empreender, por exemplo, significa “construir algo para ajudar os outros”. Empreendedor é alguém disposto a recomeçar sempre e termos como "desistir" simplesmente não existem.

Acostumado a enfrentar o batente desde os oito anos, Rufino foi de catador de lixo a líder da maior empresa do País em reciclagem veicular, a JR Diesel, que fatura R$ 50 milhões por ano.

Por seis vezes perdeu tudo. Por seis vezes deu a volta por cima. Durante passagem pelo Recife para participar do 5° Seminário Like the Future, organizado pelo LIDE (Líderes Empresariais) Futuro, ele concedeu entrevista à Folha de Pernambuco.

Aos 57 anos e demonstrando uma disposição invejável para o trabalho, revelou com um sorriso largo o que aprendeu com as dificuldades da vida e compartilhou as lições que os momentos de crise podem ensinar.

Confira abaixo a entrevista:

Você começou a trabalhar cedo, ainda com oito anos, em uma fábrica de carvão, em São Paulo. Depois, aos nove, já estava no aterro sanitário catando latinhas para reciclagem. Como essas experiências influenciaram sua vida profissional?

Comecei assim porque era o que tinha no momento. Eu precisava ajudar meu pai em casa, pois minha mãe faleceu quando eu tinha sete anos. Acho que essa coisa do empreendedor nasce com a gente. Eu realmente sempre pensei em tudo que fazia como uma forma de empreender. Quando catava latinhas, eu fazia aquilo com essa mentalidade, de produzir algo, porque vejo empreendedorismo como uma forma de produzir algo que dê pra você ajudar a si mesmo e às outras pessoas. Eu aprendi isso com a minha mãe. Ela sempre estava buscando ajudar alguém, independente da condição social dela. Então eu sempre procurei fazer algo para ajudar, no começo minha família mesmo. Eu entendia que se você conseguir produzir alguma coisa você poderia ajudar alguém.

A JR Diesel, sua empresa atualmente, nasceu de um momento de perda e se transformou em um negócio lucrativo. Como você conseguiu reverter um cenário negativo em algo positivo?

Mesmo antes da JR os meus investimentos foram iniciados por causa de alguma pedra no caminho. Toda vez que eu tinha uma pedra, usava de degrau para me recuperar. Eu tive dificuldades financeiras por seis vezes, porém por toda vez pouco mais alto recuperado e melhor. Eu fui trabalhar para sobreviver e ajudar alguém. Com 11 anos eu enterrava o dinheiro em latinhas de leite em pó. Tinha 11 latinhas enterradas em um terreno e, quando fui enterrar a 12°, um caminhão passou e limpou o terreno. Foi minha primeira grande perda financeira. Consegui me reerguer com o dinheiro que sobrou e até fazer uma coisa melhor. Passei a trabalhar com um carrinho de locação para puxar as compras das madames na feira. Eu fiz isso até os 13 anos.

O que aconteceu aos 13 anos?

Precisei ajudar a minha família e fiquei sem dinheiro novamente. Foi um novo recomeço. Eu arrumei um emprego no Playcenter. Recebi uma pastinha de office boy, mas minha mentalidade sempre foi de empreendedor. Então, todo dia eu saia para empreender com aquela pastinha. Foram 16 anos no Playcenter, de office boy a diretor. Nesse período eu não deixei de ajudar as pessoas. Todo o dinheiro que sobrava, eu empreendia para ajudar outra pessoa: um primo, meu pai, um irmão. Tive muitos negócios em paralelo ao trabalho do playcenter e muitos quebraram.

Então foi a quebra de um desses negócios que deu origem à JR Diesel?

Foi. Eu tinha caminhões grandes para transportar produtos. Eles tombaram e eu tive que vender as peças para tentar recuperar parte das perdas. Foi aí que eu vi o potencial do negócio da reciclagem veicular. Porém, a minha loja de peças de carro, a JR Diesel, cresceu muito rápido e meus irmãos, que estavam no comando, se empolgaram com aquilo. Foi quando, novamente, eu perdi tudo. Tive que tomar as rédeas da empresa para tentar limpar o meu nome, em 1987. Deixei a loja aberta apenas pensando nos seis funcionários que tínhamos lá e fui mantendo o empreendimento junto com meu emprego, até que aquilo ficou maior do que o meu emprego.

Atualmente, a JR trabalha apenas com venda de peças usadas?

Vendemos as peças e os caminhões usados. Hoje, as peças representam 90% do faturamento.

A crise econômica afetou os negócios?

Até ajudou. Diante da falta de capital para comprar um caminhão novo, o empresário investe na manutenção dos veículos porque precisa manter a frota andando. O usado se tornou uma opção necessária. A gente teve dois pontos positivos para a JR Diesel nos últimos dois anos. No ano passado, o segmento de desmonte legal de carros foi regulamentado em São Paulo. Nesse período nós crescemos 30%, em parte por isso e em parte aumento da demanda.

Como funciona um desmanche legal?

No Brasil do desmanche já foi regulamentada. Em São Paulo, onde a atividade foi disciplinada antes, os efeitos são mais notórios. Além de moralizar a atividade, isso permitiu que todo o processo da desmontagem dos carros fosse acompanhado de forma sistematizada com o envolvimento de secretarias, órgãos de trânsito e outras instituições competentes. Isso coíbe a corrupção e o crescimento dos desmanches legais também ajudará a diminuir os roubos de carros.

Após a regulamentação, quais os desafios do mercado de desmanche legal?

O maior deles é a mudança de cultura. As pessoas começam a entender que a peça é um produto, como qualquer outro, só que reciclado. Não tem nenhuma relação com atividade ilegal. Nosso maior obstáculo é mesmo o preconceito. Inclusive, parte do nosso esforço em mudar a perspectiva das pessoas é usar o termo “reciclagem veicular”.

Quais os seus planos para expandir o negócio de reciclagem veicular?

Decidimos investir na expansão com uma nova base no Nordeste, e o Recife foi a cidade escolhida para abrigar o negócio. O investimento e as diretrizes do projeto ainda serão fechados este ano e a construção da planta começará em 2017. Será uma planta de recebimento de veículos sinistrados, com empreendedores daqui, mas gerenciado pela JR em São Paulo. Funcionará como uma representação. Vai ser um local de compra e venda, envolvendo consumidor, seguradoras e a operação que temos em São Paulo. Nossa expectativa é dobrar o faturamento anual, atualmente em R$ 50 milhões, com o novo projeto, nos próximos cinco anos.

Além da expansão, a JR Diesel passa por um momento de transformação com a troca do comando. Como você está conduzindo esse processo?

Comecei uma sucessão 10 anos atrás, quando meus filhos eram crianças. A sucessão começa no berço. Quando seu filho pergunta onde você trabalha, leva ele para conhecer, veja se ele tem interesse. Guilherme e Arthur entraram no negócio ainda menores de idade e, a medida que eles foram se acomodando na cadeira da minha sala, eu fui sentando no sofá, no banquinho, no portão, até sair totalmente. O Guilherme tem mais tempo de empresa e até mais conhecimento comercial do que o Arthur, que se tornou o CEO, mas não possui o perfil empresarial. Então, por indicação dele mesmo, o irmão assumiu. Ele ficou como VP (vice-presidente).

Fazendo um balanço da sua trajetória profissional, nesse processo todo você enfrentou ou enfrenta muito preconceito no meio empresarial?

Fui criado na favela. Minha diferença é que eu não deixei ninguém colocar isso de diferença na minha cabeça. Até porque o cérebro não tem cor. Diferenciar pela cor da pele é coisa do século passado, hoje, a dona do mundo é a esposa do presidente dos Estados Unidos, Michelle Obama. Aqui no Brasil, o ex-presidente do SupremoTribunal Federal, Joaquim Barbosa é uma das personalidades do momento. O negro não precisa de cota e sim de oportunidades. O grande problema social daqui é a falta de oportunidades. Ter acesso à educação é a oportunidade que a gente precisa.

Para você, existe receita para crescer na crise?

Não olhar para o problema. Nós continuamos com 10 milhões de consumidores no mercado. Se você olhar para isso, com certeza vai encontrar possibilidades de negócios, ao invés de gastar energia com a crise. As pessoas continuam comendo, bebendo vestindo. Então, se o empresário olhar para isso, ele consegue empreender e crescer na crise.

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