Estudo pernambucano propõe uso de pele de tilápia como curativo em queimados

Antônio Assis
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Menos contaminada que a pele da rã, a do peixe é esterelizada antes de ser usada como curativo
Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem

Amanda Duarte
Editoria de Cidades

O tratamento de queimados com curativos e pomada pode estar com os dias contados, se depender do cirugião plástico pernambucano Marcelo Borges. Ele é idealizador do estudo pioneiro no mundo que propõe o uso da pele da Tilápia como curativo biológico temporário nos pacientes. O novo método promete diminuir a dor, o risco de infecção e melhorar a cicatrização das feridas. Os testes em humanos vão começar no segundo semestre deste ano. Se os resultados forem positivos, a tecnologia pode chegar na rede pública em três anos.
"A pele da Tilápia funciona como um tampão feito com tecido vivo. Depois que o médico fizer a raspagem cirúrgica para retirar a pele morta do paciente, a ferida será coberta com a pele do peixe. Enquanto o material estiver sobre o queimado, vai proteger como se fosse a própria pele da vítima", explica Marcelo Borges, que também é coordenador do SOS Queimaduras e Feridas do Hospital São Marcos. 

Dentre os benefícios da nova tecnologia está a proteção contra infecções e a eliminação da dor, porque as terminações nervosas não vão ficar expostas. A perda de líquido também será minimizada. "Um grande queimado, que teve mais de 30% do corpo ferido, chega a perder de três a quatro litros de água por dia, pelas queimaduras. Com as feridas cobertas, isso não vai mais acontecer", pontua Borges.

A ideia para a pesquisa surgiu depois que o cirurgião leu a matéria deste JC, entitulada Couro de Tilápia vira artesanato, em 2011. "Eu pensei que se a pele tinha a delicadeza suficiente para virar um acessório feminino, ela também poderia ser usada como cobertura para uma ferida", lembra. Como Borges já tinha experiência com o uso da pele de rãcomo curativo em pacientes vítimas de queimadura, o experimento com a pele do peixe ficou mais fácil. E, no decorrer dos estudos, a tilápia mostrou ser uma melhor opção.

De acordo com o cirurgião, o habitat da rã traz muito risco de contaminação, sobretudo pelo vírus do Mal da Vaca Louca, que não tem cura. No ambiente aquático, é possível ter maior controle sobre o animal. Além de todos os cuidados durante a criação, a pele da tilápia é esterelizada antes de ser usada no tratamento. O processo de descontaminação foi adaptado dos conhecimentos que Marcelo Borges adquiriu no Banco de Pele do IMIP.

Aliás, a pesquisa, que tem DNA pernambucano, só não está sendo desenvolvida no Estado por falta de apoio. As duas primeiras fases, chamadas Tilápia Hands On, foram feitas em Recife, mas esbarraram na falta de verba. O cirurgião prefere não se ater ao período de dificuldades. "Sabe aquela expressão popular que diz santo de casa não faz milagre? Foi isso", resume.

O projeto ganhou impulso com a ajuda de Edmar Maciel, presidente do Instituto de Apoio ao Queimado do Ceará, que articulou parceria financeira com a Companhia Energética do Ceará (Coelce/ANEEL) e apoio técnico junto ao Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), da Universidade Federal do Ceará (UFC). Até agora, já foram realizadas 10 etapas do estudo pré-clínico, todas com sucesso. 

A previsão é começar a testar a pele de tilápia em humanos a partir do segundo semestre deste ano. Marcelo Borges não contém a animação. “Temos todas as condições para quitar o atraso tecnológico que o Brasil vivencia a mais de 40 anos no que se refere a alternativas de cobertura cutânea para queimaduras e feridas”, garante.

Será, no mínimo, um ano de testes, em mais de 500 pacientes espalhados pelo Brasil. Se a eficácia da pele de tilápia for comprovada, em três anos o material pode estar acessível a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).

HERANÇA - A pesquisa do uso da pele da tilápia como curativo biológico quer ir além das fronteiras do hospital. A preocupação é gerar benefícios sociais, econômicos e ambientais para o país. 

“Em larga escala, a demanda por tilápia vai incrementar a renda dos pescadores não só pela produção, mas porque agora vão lucrar com um material que não era aproveitado e seguia direto para o lixo. A quantidade de resíduo ambiental vai ser minimizada”, pondera o cirurgião Marcelo Borges. 

Atualmente, as tilápias usadas na pesquisa são oriundas do açude Castanhão, na cidade de Nova Jaquaribara, distante 250 km de Fortaleza. A pele só é retirada quando o peixe alcança o peso de 1,2 kg.

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