Carolina Leão
Folha-PE
Toda época tem um tipo de moradia que revela o quadro social e cultural por trás de uma arquitetura. No Nordeste, a suntuosa casa grande da colonização foi possível devido à transferência de famílias inteiras para o novo continente. Casarões com vários cômodos e áreas livres suficientes para unir a família àeconomia açucareira. Hoje, Recife revela em sua periferia, e aos poucos também nos bairros de classe média, uma alternativa para o direito à moradia. Os famosos puxadinhos foram a saída encontrada por muitas famílias para fugir do preço do aluguel ou, ainda, das burocracias para o acesso à casa própria. O famoso jeitinho brasileiro também na hora de construir.
A escolha revela dois fenômenos contemporâneos. Por um lado, as facilidades de crédito, com a possibilidade de parcelar material de construção permitindo muita gente reformar sua casa, construindolajes , garagens ou novos ambientes para seus membros constituir novas famílias. Por outro, crise política na habitação popular redefinindo o conceito de convivência em família. Se nas décadas passadas, os jovens eram estimulados a poupar para conseguir a tão sonhada casa própria, agora enfrentam novos desafios, gerenciar a administração de um lar dividido entre irmãos, sogros e filhos.
Especialista em habitação popular, o professor Luís de La Mora, da UFPE, aponta o principal motivo que leva famílias jovens a optar por morar no mesmo local dos pais é o altíssimo valor dos terrenos na zona urbana do Grande Recife, além de uma política pública de habitação popular ineficiente. Mesmo nas áreas de morros e córregos, o valor é alto. “Os créditos formalmente existem. A Caixa tem programas definanciamento com juros muito baixos, subsidiados, e mesmo sem juro, mas a complexidade burocrática é tão grande que dificulta o acesso a estes recursos por parte dessas famílias”, destaca.
Como as de Tiago Carneiro, educador social. Casado há 10 anos, ele se livrou do aluguel de R$ 200, nos Coelhos, ao optar por morar com o sogro, num terreno construído abaixo da casa do Seu Francisco, pai também de João Paulo e de mais dois filhos que moram juntos, numa casa em Beberibe. Embaixo, Tiago vive num pequeno cômodo com a esposa e Yasmim, a filha de cinco anos. Atrás, João Paulo e a irmã dividem outro compartimento do terreno. As contas de luz e água vêm separadas, o que permite liberdade para que cada uma das três famílias existentes num mesmo lote possam administrar suas finanças. “No futuro, penso em sair daqui. Mas por enquanto não dá. Ganho R$ 1.110 e só de aluguel gastaria, no mínimo, R$ 600”, coloca.
Situação semelhante vive a corretora autônoma Ana Pimentel. Há 10 anos, recém-separada, não conseguiu dar conta das dívidas acumuladas com aluguel e voltou para a casa da mãe, em Campo Grande, onde já morava uma família, no primeiro andar da casa. Atrás da residência da mãe, Ana construiu cozinha, banheiro e dois quartos . “No início foi difícil a adaptação. Cheguei a passar anos sem falar com uma irmã. Mas aqui posso dar uma vida melhor para os meus filhos”.