O ISOLAMENTO DE LYRA JUNTO AO CAIS JOSÉ ESTELITA

Antônio Assis
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Paulo Emílio, Pernambuco 247 - A ação de reintegração de posse do terreno do Cais José Estelita, no Centro do Recife, ocupado por manifestantes contrários à construção de um complexo imobiliário no local, deixou um pesado ônus político para o governador João Lyra Neto (PSB). Por força de uma determinação judicial, a Polícia Militar foi acionada para cumprir a reintegração de posse. Como resultado do confronto, quatro manifestantes foram detidos e vários outros acabaram feridos. Em meio a esta seara, o prefeito Geraldo Julio (PSB) condenou a ação, no que foi seguido pela ex-senadora e candidata a vice na chapa presidencial do ex-governador Eduardo Campos (PSB), Marina Silva. Campos não se pronunciou oficialmente sobre a questão até o momento, isolando ainda mais o correligionário.
Logo que começaram a espocar nas redes sociais os primeiros relatos da ação da Polícia Militar visando cumprir o mandato de reintegração de posse, o que incluía denúncias de força excessiva, com o uso de bombas de efeito moral, balas de borracha, gás lacrimogênio e até mesmo chicotadas desferidas contra os integrantes do movimento Ocupe Estelita por parte de integrantes do batalhão de Choque e do Regimento de Polícia Montada da Polícia Militar, o prefeito Geraldo Julio foi avisado sobre o ocorrido.
Em seguida, a Prefeitura lançou uma nota condenando a ação onde ressaltava entender "que o melhor caminho para a desocupação do terreno seria através de uma questão negociada e pacífica". Simultaneamente, o ex-secretário de Campos e ex-vice-prefeito do Recife, Milton Coelho, também condenou a ação ao dizer que o ocorrido era uma "prova de que a solução para conflitos de opinião no Brasil ainda é a mesma adotada no arraial de Canudos". Em entrevista às rádios locais, o prefeito Geraldo Julio negou ter conhecimento prévio da ação e voltou a criticar a ação de reintegração de posse.

Pelo Facebook, a vice na chapa de Campos, Marina Silva, defendeu os ocupantes do terreno do Cais José Estelita e afirmou que o processo "poderia ter seguido o mesmo princípio do diálogo, em vez de terminar com uma desocupação arbitrária". Ela também ressaltou que "a ação violenta da polícia é inaceitável, desnecessária e está em desacordo com todo o processo que vinha sendo construído nas últimas semanas". Neste ponto, Marina refere-se ao fato das negociações entre os manifestantes e o poder público estarem sendo tocadas pela Prefeitura do Recife.
Em meio a isto, Campos foi o único que não se pronunciou sobre a ação, que foi condenada tanto pelos opositores como por entidades internacionais como a Anistia Internacional. O Ministério Público Federal (MPF) também condenou a ação que resultou na desocupação do local.
A confusão porém vai mais além, como lembrou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE). Em nota, a entidade condenou "os excessos e o uso indiscriminado da violência no cumprimento do mandado judicial de reintegração de posse", pedindo a apuração das denúncias, mas ressaltou que "a principal causa do litígio instaurado entre as partes diz respeito ao evidente vazio legislativo existente no Município do Recife, quanto ao disciplinamento eficaz e moderno do uso e ocupação do espaço urbano, notadamente no que concerne à ausência de um Plano Urbanístico para nossa cidade, com a regulamentação da exigência do Estudo de Impacto de Vizinhança dentre outros mecanismos de disciplinamento das intervenções do mercado imobiliário".
"A ausência de leis e instrumentos mais eficazes para consecução de uma política de desenvolvimento urbano é agravada por um claro desmantelamento, ao longo das últimas décadas, da estrutura administrativa da Prefeitura no seu papel de planejamento urbano.Contudo, compreendemos que o respeito às decisões judiciais é um pressuposto essencial do Estado Democrático de Direito", diz o texto.
Vale observar, ainda, que o projeto Novo Recife, vem sendo lavo de discussões há pelo menos seis anos. Os primeiros debates sobre o assunto começaram quando o deputado federal e atualmente candidato ao Senado, João Paulo (PT), exercia o mandato de prefeito da capital pernambucana. O projeto acabou sendo aprovado pelo seu sucessor, João da Costa (PT) e ratificado na gestão do socialista Geraldo Julio, a quem coube conceder as licenças necessárias à demolição dos galpões que ladeiam as margens do Capibaribe.O Consórcio Novo Recife, formado pelas construtoras Moura Dubeux, Queiroz Galvão, Ara Empreendimentos e GL Empreendimentos, comprou a área pertencente a antiga Rede Ferroviária Federal (RFFSA) por cerca de R$ 55 milhões.
Tão logo começara os primeiros sinais de demolição por parte do Consórcio Novo Recife, o local foi ocupado, no dia 21 de maio, por dezenas de manifestantes contrários a construção de um complexo com 12 torres empresariais e residenciais a ser erguido no local. Diante da pressão social, a Prefeitura suspendeu o alvará de demolição que havia concedido anteriormente e abriu o que chamou de canal de diálogo, servindo como intermediadora entre as construtoras e os ativistas.
No dia 29 de maio, porém, o Tribunal de Justiça de Pernambuco emitiu um mandato de reintegração de posse do terreno. A ação acabou sendo postergada e neste meio tempo o consórcio se comprometeu a rever o projeto e aumentar de R$ 30 para R$ 62 milhões o valor das ações mitigadoras referentes ao impacto a ser causado pelo projeto. Em troca, o Consórcio Novo Recife pedia av desocupação da área em respeito ao direito de propriedade.
Em meio a isto tudo, a presidente Dilma Rousseff (PT) visitou o Estado para inaugurar a via Mangue – que passa bem próximo ao local – e o ex-governador Eduardo Campos, que atualmente está morando em São Paulo, voltou ao Estado para participar de uma convenção que homologou a pré-candidatura de Paulo Câmara (PSB) ao Governo de Pernambuco. Mas sobre a ocupação, nenhuma palavra de ambos os lados.
No último 13, uma nova ordem foi expedida pelo Tribunal de Justiça cobrando o cumprimento do mandato de reintegração de posse e lembrando que o governador João Lyra poderia incorrer no descumprimento de uma ordem judicial. O mandato foi cumprido nesta semana, mais especificamente nesta terça-feira (17).
Os desencontros entre Lyra e o PSB já acontecem há algum tempo. As razões seriam muitas. Segundo informações de bastidores, o governador não teria aceitado de bom grado ter sido preterido em prol de Paulo Câmara para disputar a sucessão estadual. No momento, Lyra tem mantido uma relativa distância das discussões em torno da disputa estadual.
A despeito das críticas do PSB, ele também tem mantido uma relação republicana com a presidente Dilma, posicionamento elogiado até mesmo por membros da cúpula petista. Na semana passada, ele mandou devolver os ingressos para assistir aos jogos da Copa do Mundo que estão sendo realizados na Arena Pernambuco e que haviam sido adquiridos ainda na gestão de Campos.
Os resultados dos últimos acontecimentos, porém, serão sentidos nas próximas semanas, quando os impactos políticos começarão a aparecer e somente então será possível saber se o isolamento de Lyra é permanente ou não.