Henfil usava charges para enviar recados para parentes presos na ditadura

Antônio Assis
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Correio Brasiliense


Juliana, à esquerda do tio Henfil, e a irmã mais nova, Gilda. Foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press/Arquivo
Juliana, à esquerda do tio Henfil, e a irmã mais nova, Gilda. Foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press/Arquivo
Belo Horizonte — Graúna, o bode Francisco Orelana, o Capitão Zeferino e os frades Cumprido e Baixim são todos geniais personagens de Henfil, mas, apesar de terem marcado a história do cartum brasileiro, nenhum deles passou uma mensagem tão certeira como um desenho que, para a maioria dos leitores, soou despretensioso. Uma criancinha advertida com a mensagem: “Juliana, chega de comer sorvete com morango, pois você vai ter caganeira”.


Para entender a história é preciso voltar ao início dos anos 1970, quando Gilse Cosenza, então uma aguerrida militante da Ação Popular (AP), estava presa na Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora. Era o auge da repressão, iniciada com o golpe militar em 1964, e agravada com a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em 1968. Gilse foi torturada nos porões da ditadura em Belo Horizonte e quando foi presa, sua filha Juliana tinha apenas quatro meses. A irmã de Gilse, Gilda Cosenza, era casada com Henrique de Souza Filho, o Henfil, que ainda hoje é chamado carinhosamente por elas de Henriquinho.

Foto: Fernando Seixas/O Cruzeiro/EM/D.A Press/Arquivo
Foto: Fernando Seixas/O Cruzeiro/EM/D.A Press/Arquivo


Gilda e Henfil cuidaram de Juliana por dois anos, enquanto Gilse estava presa. Gilse recorda que, quando chegou ao presídio em Juiz de Fora, não sabia como estava a filha. “Durante as sessões de tortura, eles (torturadores) colocavam uma criança chorando dizendo que estavam maltratando a Juliana”, lembra Gilse. Quando foi transferida para a penitenciária, Gilse descreve que a condição era melhor. “Fazíamos greves de fome para ter direito a banho de sol e até conseguir ler um jornal diário”, conta. “Quando chegou o primeiro exemplar do Jornal do Brasil, todas queriam o primeiro caderno para ler as notícias de política, mas eu queria ver a parte com os cartuns para saber se estava tudo bem com o Henfil e, assim, com a Juliana.”



Quando leu o quadrinho — ela não se recorda se era com a Graúna ou algum dos fradinhos —, viu um recado que a fez chorar de emoção: “Juliana, chega de comer sorvete com morango, pois você vai ter caganeira”. O recado cifrado de Henfil fez com que Gilse soubesse que a filha estava bem. “Depois, soube que não era a primeira vez que ele fazia isso”, conta. O irmão dela, Gildásio, que também era preso político, assim como o marido, Abel Rodrigues Avelar, também recebiam recados de Henfil. “Eles esconderam, protegeram e criaram minha filha”, recorda Gilse. O agradecimento foi tanto que Gilse batizou a segunda filha com o nome da irmã.

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