Tércio Amaral
Diário de Pernambuco
Um ato no Centro do Recife, que completa 30 anos nesta segunda-feira, marcou de forma decisiva o processo de redemocratização do país. Um comício que pedia as eleições diretas para presidente da República, cuja manifestação no país ficou conhecida como Diretas Já, reuniu mais de 15 mil pessoas na capital pernambucana. O ato contou com a presença de lideranças históricas, como o senador Marcos Freire (PMDB), o ex-governador Miguel Arraes (PSB), ambos falecidos, além do atual vice-prefeito do Recife Luciano Siqueira (PCdoB) e do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB). Além da pauta eleitoral, o grupo defendia o fim da ditadura militar (1964-1985), o fim da Lei de Imprensa e a investigação dos crimes cometidos contra os opositores do regime.
"Pernambuco foi um dos estados pioneiros, com o comício de Abreu e Lima (o primeiro realizado no país em favor das Diretas), em março de 1983. Nosso estado tem esse marca. Fomos também o primeiro estado a defender a realização de uma Assembleia Nacional Constituinte, uma iniciativa que tomei no meu primeiro mandato, como deputado estadual em junho de 1971", informou o senador Jarbas Vasconcelos, por e-mail, ao Diario.
O vice-prefeito do Recife Luciano Siqueira, na época deputado estadual pelo MDB, relata que as manifestações naqueles tempos tinham como ponto inicial o largo da feira de Santo Amaro. De lá, como aconteceu naquele 17 de fevereiro de 1984, os manifestantes fizeram um percurso da Faculdade de Direito do Recife até a Praça da Independência em trinta minutos. Ele relata que, na ocasião, o ex-governador Miguel Arraes fez um discurso que empolgou a multidão. "Na verdade, ele fez uma crítica ao Pró-álcool, dizendo que Pernambuco estava perdendo espaço na agricultura de subsistência para plantar cana-de-acúçar e disse que, historicamente, éramos produtores de mandioca, mas estávamos importando o produto", contou, ressaltando que mesmo com as dificuldades na dicção, o socialista conseguia cativar o público.
Além do discurso de Miguel Arraes, outro fato surge na memória de Luciano: a ajuda informal do então prefeito do Recife Joaquim Francisco (PSD), cujo partido era aliado ao regime. "Ele não se posicionou publicamente pedindo as eleições diretas, mas deu a estrutura necessária ao evento depois de conversas com Sérgio Guerra (então deputado estadual pelo MDB)", lembra. "Também contamos com a ajuda de algumas empresas de ônibus que ajudaram liberando alguns ônibus dos subúrbios para que a população chegasse ao Centro do Recife".
Cid Sampaio, Marcos Cunha, Fernando Coelho, José Marcionilo, Miguel Arraes, Jarbas Vasconcelos e Luciano Siqueira em passeata pelas eleições diretas. Foto: Edvaldo Rodrigues/DP/D. A Press |
Ação pernambucana na Justiça
O presidente da Comissão da Verdade de Pernambuco, o ex-deputado Fernando Coelho, diz que, além do desafio do comício, uma história peculiar passou longe das manchetes da grande imprensa na época. Mesmo com os protestos pedindo as eleições diretas, a emenda do deputado Dante Oliveira (MDB) não foi aprovada no Congresso Nacional em abril de 1984. “Eu era deputado na época e, dos 363 presentes, 298 votaram a favor, somente 65 contra. O regime, mesmo assim, inviabilizou a votação, dizendo que não havia quórum. Ou seja, não tinha dois terços do deputados”, argumentou.
“O que muita gente não sabe é que um advogado pernambucano, o doutor José Paulo Cavalcanti, pai de Paulo Cavalcanti Filho (integrante da Comissão Nacional da Verdade), entrou com um mandato de segurança garantindo a validade da votação. O mandado foi logo anulado, mas foi de uma grande coragem”, lembra Coelho, ao contar que o Supremo Tribunal Federal (STF) e boa parte do Poder Judiciário estavam alinhados com o regime.
O deputado também revelou que ainda havia riscos, sim, de participar das manifestações. “Não podemos dizer que estaríamos seguros numa democracia que ainda não era plena, apesar da Lei da Anistia e da abertura do regime”, completa. O senador Jarbas Vasconcelos e o vice-prefeito do Recife Luciano Siqueira discordam. “Havia riscos, mas eram mínimos. O movimento não era apenas uma articulação partidária. Mesmo entre setores militares existia o sentimento de que o regime estava no seu limite”, disse Jarbas.