Gilberto Gil: "Sem frevo não haveria o trio elétrico"

Antônio Assis
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José Teles
JC Online


Gilberto Gil já cantou no Carnaval do Recife, mas com uma participação na festa dos 100 anos do frevo, no Marco Zero, em 2007. Este ano, pela primeira vez, ele vem com banda para um show, no sábado, à noite, no Marco Zero. Durante o dia, estará com a mulher, Flora, no camarote Expresso 2222, no Galo da Madrugada, também a estreia do famoso camarote fora da folia de Salvador.  Sem dúvida, uma atração a mais no Galo em 2014. 
Para Gil certamente não será apenas ua apresentação a mais num caranaval. Cantar no Recife neste período tem um sabor especial. Depois do advento da Gravadora Rozenblit, o frevo tornou-se a música do carnaval do Norte e Nordeste. Gilberto Gil, nascido em Salvador, mas criado em Ituaçu, no interior do estado, cresceu entre baiões e frevos. Em entrevista do JC, ele comenta a importância do frevo, da música de Pernambuco em sua obra. Revelou também que está devendo um frevo ao poeta pernambucano João Cabral de Mello Neto, e comenta sobre os carnavais da Bahia e do Recife.

JORNAL DO COMMERCIO –  Você certamente cresceu ouvindo os frevos da Mocambo, certamente fazendo o passo, com Claudionor Germano cantando frevos de Capiba, ou Nelson Ferreira. Que evocação lhes trazem, ou que influência eles tiveram em sua música? 
GILBERTO GIL – Traz exatamente evocações, Evocação (canta, um trecho da composição de Nelson Ferreira, de 1956): “Felinto/Pedro Salgado/Guilherme/Fenelon/Onde estão teus blocos saudosos/Bloco das Flores/ Andaluza/Cartomantes/Apois Fum... essa coisa linda do frevo canção, do frevo mais... enfim, o frevo frevo, que tem uma estrutura rítmica tão bonita, tão extraordinária, as melodias, as harmonias, especialmente. A música pernambucana, a música urbana, do recife, teve uma influência muito grande entre todos nós. O próprio Tom Jobim falando da importância do frevo no desenvolvimento dele, no gosto dele pela música, de todos nós. Então frevo é fundamental, tem sido fundamental, pra todos nós.
JC – Frevo rasgado (com Bruno Ferreira), foi seu primeiro frevo? Aliás, ele é um frevo inovador. Na verdade um frevo-de-rua, com letra, e com uma orquestração que é moderna até hoje.
Gilberto Gil - (Canta um trecho de Frevo rasgado, acompanhando-se ao violão), o único frevo que fiz na verdade. Não tive coragem de fazer outros. Uma vez João Cabral de Mello Neto, que era conhecido por não gostar de música, mas gostava de frevo e de flamenco. Encontrei com ele na África, em Dacar, onde era embaixador, ele disse assim: ‘Se for pra  fazer um frevo, eu faço com você’. E eu tô devendo isso a ele, tenho que pegar um poema de João Cabral e fazer um frevo pra ele. Pra mim é uma coisa fantástica, ter feito esta composição no meu primeiro disco tropicalista, mas eu ainda me sinto em dívida. Tenho que me debruçar uma hora sobre o frevo e fazer uma coisa assim mais especifica.
JC – Caetano fez vários frevos, de grande sucesso, Trio Elétrico, Chuva, suor e Cerveja, etc. Curiosamente, nesta mesma época, você estourou, mas foi com um xote, de Dominguinhos e Anastácia (Só quero um xodó, 1972). Por que o xote, e não um frevo? 
Gilberto Gil – Por que sou mais sertanejo do que Caetano, fui criado no sertão da caatinga, numa cultura do couro, do gado, do boi, do mandacaru, da palma, da condição árida, do semi-árido, tenho mais este lado. E Gonzaga foi o meu primeiro grande ídolo. Primeira grande referência referencia musical, meu primeiro encantamento. Acompanhei todo o trabalho de Gonzaga. Estas marcas da região onde cresci ficaram. O xote, o xaxado, o baião, pé de serra, ficou muito forte. Na verdade, O pernambucano do mato é mais forte em mim, do que o pernambucano do litoral. Embora eu tenha um apreço muito grande pelo maracatu, pelas cirandas, coisas que se desenvolveram ali na região da mata, na região mais próxima do litoral. Mas eu tenho este lado mais sertanejo que me impulsiona para o lado as coisas que vieram mais do sertão, o baião e todo este universo, acho que é por isto.
JC – Inegavelmente os dois grandes carnavais do Brasil, são o de Salvador e o do Recife. Quais semelhanças e diferenças ente os dois? 
Gilberto Gil – Semelhanças é que são na rua, baseados nas manifestações afro-brasileiras que se desenvolveram em ambas as regiões, com os negros, os candomblés, os xangôs, os batuques todos que vieram com os negros africanos, que se tornaram referencias importantes para criação da música popular nos dois lugares. A festa tem esta característica das festas populares de rua, muitas manifestações nas ruas. O trio elétrico acabou importando, trazendo o frevo pernambucano para a Bahia. Depois o galope trouxe o lado sertanejo da música pernambucana para o carnaval da Bahia. Então o Carnaval da Bahia se tornou hoje uma mistura de todas estas coisas. É engraçado que Pernambuco não reconhece isso, e tem uma certa dificuldade com o axé. Mas é enganoso isso, porque tudo isso é muito pernambucano. Se não tivesse o frevo pernambucano, não tinha trio elétrico. O trio elétrico é frevo, é Pernambuco (ri). Então é uma coisa meio equivocada esta dificuldade artificial que Pernambuco cria com o Carnaval da Bahia.
JC – Há também uma certa rivalidade entre ambos, sobretudo por parte dos pernambucanos. O Expresso 2222 aproximará esta duas gigantes festas populares?
Gilberto Gil–  Não é nossa intenção. Flora foi convidada para fazer o Expresso em Recife, um projeto que já faz na Bahia há 17 anos. Houve época em que isso incluía também um trio elétrico, Expresso 2222, que depois deixei de fazer, porque me sinto já velho pra isso, mas ela continua fazendo o camarote. Foi convidada para fazer no recife, exatamente no dia do Galo, o dia mais imponente, mais efervescente do Carnaval em Recife. Acho que tudo isso pode juntar. Mas acho que a aproximação só vai se dar se Pernambuco deixar de implicar com o Carnaval da Bahia (risos). Nós não temos nenhum problema, frevamos o tempo todo. O carnaval da Bahia é Frevo já há muitos anos, não sei porque esta implicância com o Carnaval da Bahia em Pernambuco.

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