
Presidentes podem errar em muitas áreas. Adotar prioridades equivocadas na educação e na saúde. Decretar moratória da dívida externa sem saber como consertar a economia. Usar dinheiro de sobras de campanha. Comprar deputados para aprovar uma emenda constitucional. Autorizar um esquema de pagamento de propinas mensais.
Só há uma área na qual um presidente da República não pode derrapar: na política. Se o manejo político vai para o brejo, é difícil mitigar os estragos produzidos por outros tropeços.
Mas política não é uma ciência exata. É impossível saber quando o governante esgotou a sua taxa aceitável de barbeiragens. Em geral, percebe-se a degeneração só depois de a situação já estar irreversível.
O processo do impeachment de Fernando Collor, em 1992, foi um exemplo clássico de péssima administração política. Não se entenda aqui "administração política" como comprar congressistas e mergulhar na fisiologia. Trata-se de exercer a arte da grande política. Conversar, saber ouvir. Às vezes, do outro lado da mesa, pode estar alguém com interesses heterodoxos. Ainda assim, é preciso buscar algum ponto de convergência dentro dos padrões da legalidade e da decência.
No caso da administração Dilma Rousseff, é nítida a dificuldade para gerenciar a política. Impressiona o número de aliados, petistas ou não, que hoje festejam o inferno astral da presidente.
Ela já chegou ao limite ou ainda há tempo para reparar os estragos? Não há resposta para essa pergunta. Múltiplos aspectos devem ser considerados. Por exemplo, ninguém sabe se o mau humor atual dos agentes econômicos é passageiro ou se veio para ficar.
Tudo considerado, Dilma está perigosamente perto da taxa máxima de erros na política. Mas ela e todos nós só saberemos se o governo deu "perda total" no início de 2014.
Fonte: Folha de S.Paulo
NENA CABRAL COMENTA: NO PLEBISCITO, ELEITORES NÃO TÊM PODER, APENAS ESPERANÇA
A ideia de um plebiscito pode parecer simples e soar como vitória, mas, das soluções possíveis, é a que traz mais incertezas e é a mais fácil de ser manipulada.
Ao contrário de um referendo, onde o eleitor vota em uma lei já pronta, no plebiscito ele vota em uma ideia. O resultado da votação apenas estabelece diretrizes para a elaboração, posteriormente, de uma lei pelo Legislativo.
Dilma chama equipe e cobra medidas além do plebiscito
Além disso, enquanto o resultado do referendo sempre vincula, o do plebiscito é menos preciso. O legislador, tendo ouvido as ruas, pode acabar legislando de uma maneira distinta.
Plebiscito é como comprar casa na planta: o eleitor vota na esperança de que o legislador legislará conforme instruído. Mas, depois de ter votado, perde o controle. Se a casa não for o que se esperava, paciência.
Referendo é como comprar a casa já pronta: é pegar ou largar. Mas, se largar, é preciso derrubar a casa e recomeçar do zero. Daí o diálogo ser crítico durante a elaboração do projeto.
Mas ainda que o legislador esteja politicamente comprometido a ouvir a voz das urnas, tal voz é facilmente manipulável no plebiscito.
Pense na seguinte pergunta: "Você é a favor do voto em lista fechada?"
Se a maioria vota pelo "não", o legislador continua sem saber o que o eleitor quer. Sabe apenas o que o eleitor não quer.
Desde que não legisle pela lista fechada, terá respeitado a vontade do eleitor.
Ou pense nessa variação: "Você prefere o voto em lista fechada ou distrital?"
Aqui o eleitor tem uma opção a mais, mas a pergunta deixa de fora as outras possibilidades. A opção pelo voto distrital não significa que ele é o preferido do eleitor, mas apenas que a outra opção apresentada é ainda pior.
O eleitor estará votando não necessariamente naquilo que quer, mas contra aquilo que não quer.
Em um plebiscito, o verdadeiro poder não reside no eleitor, mas em quem formula a pergunta.
Mesmo que lhe sejam apresentadas todas as opções possíveis (o que é improvável), o eleitor ainda não sabe exatamente no que está votando já que não sabe como o legislador interpretará o resultado.
Fonte: Folha de S.Paulo