Carlos Chagas
Ninguém nega o impacto que causaram as manifestações do mês de junho em todo o país, não obstante os excessos acontecidos. O povo nas ruas, protestando, foi sinal de que mudanças fundamentais se faziam necessárias em nossas instituições e costumes.
A pergunta que se faz, porém, é sobre o que mudou depois dos protestos. Claro que o Congresso colocou muitos projetos de reforma política na pauta, assim como a presidente Dilma, além de dar sugestões, passou a receber grupos selecionados da sociedade civil, ainda que deixando de convocar a oposição.
Mas de palpável, efetivo, alterando as relações entre o Brasil real e o Brasil formal, até agora nada. Sequer os transportes coletivos melhoraram, mesmo ficando vinte centavos mais baratos. A educação e a saúde públicas permanecem revelando os mesmos defeitos, e a corrupção vai muito bem, obrigado, como indica o uso dos aviões da FAB por autoridades de todos os tipos e para todos os fins. A violência é a mesma, produzindo insegurança para o cidadão comum, dentro e fora de sua casa.
Registre-se, para confirmar que nada mudou no plano institucional, nenhuma reforma política transformada em lei. Claro que essas coisas demoram, mas o clamor das ruas exigia ação e medidas de pronta vigência.
Da mesma forma, nem redução do número de ministérios, muito menos troca de ministros. E a mesma postura imperial da presidente da República quando se trata de impor seus pontos de vista, seja junto aos ministros, aos políticos e até aos líderes sindicais.
O poder econômico insiste na tentativa de usurpar direitos sociais e de suas salas refrigeradas não saiu uma única proposta capaz de minorar as agruras dos assalariados. O capitalismo selvagem e desmedido manteve a postura daqueles três macaquinhos que nada falam, nada ouvem e nada vêem. O mercado continua o mesmo clubinho dos privilégios, empenhado em aumentar preços e sufocar salários em nome de uma livre competição que não é nem livre e muito menos competição.
Nenhum privilégio, seja de classe, berço ou religião, viu-se revogado. Os ricos permanecem voando em seus helicópteros, as igrejas continuam sem pagar impostos, os pimpolhos sem freqüentar os postos de saúde e hospitais do SUS, além de passarem ao largo das escolas públicas.
O sistema de segurança é o mesmo de sempre, bastando verificar que assaltos, arrastões, seqüestros e o tráfico de drogas até aumentaram, como vinham aumentando todos os meses, nas grandes e nas pequenas cidades.
Até a mídia continua em grande parte dominada pelos seus barões, poucas famílias detentoras do poder de selecionar as notícias, muito mais do que as opiniões.
Em suma, a voz das ruas que tanto emocionou, foi uma novidade, mas estamos onde sempre estivemos.
A CRÍTICA DAS REDES SOCIAIS
Coube a Emmanuel Kant retificar os alicerces da razão pura, na sua crítica aos excessos e ilusões do iluminismo crescente. Nem tudo poderia resumir-se aos instrumentos racionais empenhados em demolir a ditadura do misticismo e da opressão religiosa.
Estivesse entre nós o filósofo de Koenisberg e estaria preparando a crítica das redes sociais, que da noite para o dia transformaram-se na panacéia nacional. Obviamente a contribuição das redes ao aprimoramento cultural é um fato, mas há quem julgue que uma simples troca de bilhetinhos eletrônicos entre as pessoas expõe sua fraqueza. Quem pode dar-se ao luxo de passar o dia, ou mesmo suas horas de folga, dedilhando essas maquininhas egoístas e diabólicas? Celulares e penduricalhos deveriam servir para aprimorar condições de vida e de trabalho, jamais para absorver completamente tempo e potencial do indivíduo.
QUANTOS VÃO VIAJAR?
Dos 513 deputados e 81 senadores, quantos tomarão o rumo dos aeroportos internacionais, a partir de amanhã, início do recesso? Ou até já tomaram, junto com suas famílias. Não é proibido viajar, chega a ser essencial para o aprimoramento cultural de Suas Excelências, mas num período como o atual torna-se supérfluo e perigoso deixar Brasil e em especial, Brasília. O recesso que começa dentro de 24 horas virou uma temeridade.