Em espírito e intenções, até que a presidente Dilma
Rousseff fez tudo certinho. Tentou dar conteúdo e direção a um movimento
popular que ganhou o momento, mas não sabe para onde caminha. Quando se
analisam as propostas concretas da mandatária, entretanto, fica a sensação de
que ela entrou no clima das manifestações e resolveu agir sem pensar.
É verdade que a responsabilidade fiscal é
importante para assegurar a estabilidade e os investimentos. Quem olha para uma
defesa tão intransigente do ajuste das contas públicas jamais diria que ela
partiu do governo que mais contribuiu para desequilibrá-las. Se há algo que
caracteriza a administração Dilma até aqui foi ter apostado numa combinação de
política econômica equivocada com contabilidade malandra que arruinou as
expectativas. Mas nunca é tarde para se arrepender.
Para transportes, saúde e educação, a presidente
saiu-se com um requentado de medidas que já tinham sido anunciadas e mais
desonerações (o que vai contra o pacto fiscal, mas isso é detalhe). É bom que
não tenha inventado pirotecnias, mas parece pouco para responder às ruas.
Foi justamente no ponto mais importante, o da
reforma política, que Dilma meteu os pés pelas mãos. Ela deve ter lido em algum
cartaz de manifestante a ideia de convocar uma constituinte exclusiva, juntou-a
com o sempre popular plebiscito e criou uma proposta tão singular que não
sobreviveu 24 horas. Foi detonada por juristas, políticos e, quero crer, por
imperativos de realidade. Sob que regra os constituintes exclusivos seriam
eleitos? O Congresso poderia aprovar PECs enquanto eles trabalhassem? E quanto
a uma PEC com conteúdo contrário ao que tenha sido definido pelos
constituintes?
O fato de Dilma ter recuado, embora revele o nível
de confusão que impera no governo, mostra que a presidente está disposta a
ouvir e a buscar soluções negociadas --o que é bom.
Fonte: Folha de S.Paulo
'POLÍTICOS DE TOCAIA'
FERNANDO RODRIGUES
A estratégia de emparedar os políticos deu um pouco de oxigênio político para Dilma Rousseff. Ela aparece na mídia como a "rainha" que faz anúncios sobre como melhorar o Brasil. Magnânima, recebe representantes do Movimento Passe Livre. Coloca governadores e prefeitos de capitais nos seus lugares, mudos, apenas fazendo figuração numa cerimônia no Planalto.
Se imagem é tudo, como se diz, Dilma ganhou a guerra do marketing nos últimos dias. Mas duas dúvidas atormentam o poder em Brasília: a que preço e até quando?
Sim, porque as propostas feitas pela presidente foram todas recebidas com desdém e pilhéria nos bastidores do Congresso. Raros foram os governadores e prefeitos que saíram de Brasília felizes por terem sido chamados anteontem apenas para posar para fotos, enquanto Dilma brilhava num pronunciamento ao vivo para as emissoras de TV.
Nas declarações públicas e formais, é claro, os políticos fazem sorriso de paisagem e falam em colaborar com o Planalto. Quando se apagam os holofotes, tudo muda.
Caciques do PMDB estiveram em peso na segunda-feira à noite na casa do vice-presidente da República, Michel Temer. Advogado constitucionalista, ele não havia sido avisado previamente sobre o conteúdo dos cinco pactos dilmistas. Em meio à irritação geral, os peemedebistas passaram algum tempo brincando com expressões incompreensíveis usadas por Dilma, como a curiosa e exótica "corrupção dolosa".
No Congresso, já começam a surgir colaborações (sic) para a presidente ter um governo mais eficiente e mais refratário à corrupção: uma CPI para apurar as obras da Copa do Mundo e um projeto de lei reduzindo os ministérios de 39 para 12.
O clima político em Brasília é de tocaia. Governadores, prefeitos e congressistas estão com má vontade. Mas eles fingem bem. Dilma tem estado mais sozinha do que nunca
Fonte: Folha de S.Paulo
CADÊ? O LULA
Acossados pela pressão popular, Executivo, Legislativo e Judiciário sacodem e despertam num estalar de dedos, ou em votações simbólicas, uma lista quilométrica de reivindicações adormecidas. Além do tomate, há um outro grande ausente: o ex-presidente Lula.
O Brasil está de pernas para o ar e os Poderes estão atônitos diante da maior manifestação em décadas, mas o personagem mais popular do país, famoso no mundo inteiro, praticamente não disse nada até ontem.
Confirma assim uma sábia ironia do senador e ex-petista Cristovam Buarque: "Tudo o que é bom foi Lula quem fez; o que dá errado a culpa é dos outros". Hoje, a "outra" é Dilma Rousseff, herdeira do que houve de bom e de ruim na era Lula.
Na estreia de Haddad, Lula roubou a cena e a foto, refestelado no centro da mesa, dando ordens e assumindo a vitória como sua. Nos melhores momentos de Dilma, lá está Lula exibindo a própria genialidade até na escolha da sucessora. E agora?
Haddad foi obrigado a engolir o recuo das passagens, Dilma se atrapalha, errática, sem rumo. Nessas horas, cadê o padrinho? O que ele tem a dizer ao mais de 1 milhão de pessoas que estão nas ruas e, especialmente, aos 80% que o veneram no país?
Goste-se ou não de FHC, concorde-se ou não com o que diz, ele se expõe, analisa, dá sua cota de responsabilidade para o debate. Dá a cara a tapa, digamos assim. Já Lula, como no mensalão, não sabe, não viu.
Desde o estouro das primeiras pipocas, afundou-se no sofá e dali não saiu mais, nem para ouvir a voz rouca das ruas. Recolheu-se, preservou-se, deixou o pau quebrar sem se envolver. As festas pelo aniversário do PT e pelos dez anos do partido no poder? Não se fala mais nisso.
Como marido e mulher, companheiros e partidários prometem lealdade "na alegria e na tristeza". Mas isso soa meio antiquado e Lula é pós-moderno. Deve estar se preparando para quando o Carnaval chegar.
Fonte: Folha de S.Paulo