PÉS PELAS MÃOS‭

Antônio Assis
0
Em espírito e intenções, até que a presidente Dilma Rousseff fez tudo certinho. Tentou dar conteúdo e direção a um movimento popular que ganhou o momento, mas não sabe para onde caminha. Quando se analisam as propostas concretas da mandatária, entretanto, fica a sensação de que ela entrou no clima das manifestações e resolveu agir sem pensar.
É verdade que a responsabilidade fiscal é importante para assegurar a estabilidade e os investimentos. Quem olha para uma defesa tão intransigente do ajuste das contas públicas jamais diria que ela partiu do governo que mais contribuiu para desequilibrá-las. Se há algo que caracteriza a administração Dilma até aqui foi ter apostado numa combinação de política econômica equivocada com contabilidade malandra que arruinou as expectativas. Mas nunca é tarde para se arrepender.

Para transportes, saúde e educação, a presidente saiu-se com um requentado de medidas que já tinham sido anunciadas e mais desonerações (o que vai contra o pacto fiscal, mas isso é detalhe). É bom que não tenha inventado pirotecnias, mas parece pouco para responder às ruas.
Foi justamente no ponto mais importante, o da reforma política, que Dilma meteu os pés pelas mãos. Ela deve ter lido em algum cartaz de manifestante a ideia de convocar uma constituinte exclusiva, juntou-a com o sempre popular plebiscito e criou uma proposta tão singular que não sobreviveu 24 horas. Foi detonada por juristas, políticos e, quero crer, por imperativos de realidade. Sob que regra os constituintes exclusivos seriam eleitos? O Congresso poderia aprovar PECs enquanto eles trabalhassem? E quanto a uma PEC com conteúdo contrário ao que tenha sido definido pelos constituintes?
O fato de Dilma ter recuado, embora revele o nível de confusão que impera no governo, mostra que a presidente está disposta a ouvir e a buscar soluções negociadas --o que é bom.


Fonte: Folha de S.Paulo


'POLÍTICOS DE TOCAIA‭'

FERNANDO RODRIGUES


A estratégia de emparedar os políticos deu um pouco de oxigênio político para Dilma Rousseff.‭ ‬Ela aparece na mídia como a‭ "‬rainha‭" ‬que faz anúncios sobre como melhorar o Brasil.‭ ‬Magnânima,‭ ‬recebe representantes do Movimento Passe Livre.‭ ‬Coloca governadores e prefeitos de capitais nos seus lugares,‭ ‬mudos,‭ ‬apenas fazendo figuração numa cerimônia no Planalto.

Se imagem é tudo,‭ ‬como se diz,‭ ‬Dilma ganhou a guerra do marketing nos últimos dias.‭ ‬Mas duas dúvidas atormentam o poder em Brasília:‭ ‬a que preço e até quando‭?

Sim,‭ ‬porque as propostas feitas pela presidente foram todas recebidas com desdém e pilhéria nos bastidores do Congresso.‭ ‬Raros foram os governadores e prefeitos que saíram de Brasília felizes por terem sido chamados anteontem apenas para posar para fotos,‭ ‬enquanto Dilma brilhava num pronunciamento ao vivo para as emissoras de TV.

Nas declarações públicas e formais,‭ ‬é claro,‭ ‬os políticos fazem sorriso de paisagem e falam em colaborar com o Planalto.‭ ‬Quando se apagam os holofotes,‭ ‬tudo muda.

Caciques do PMDB estiveram em peso na segunda-feira à noite na casa do vice-presidente da República,‭ ‬Michel Temer.‭ ‬Advogado constitucionalista,‭ ‬ele não havia sido avisado previamente sobre o conteúdo dos cinco pactos dilmistas.‭ ‬Em meio à irritação geral,‭ ‬os peemedebistas passaram algum tempo brincando com expressões incompreensíveis usadas por Dilma,‭ ‬como a curiosa e exótica‭ "‬corrupção dolosa‭"‬.

No Congresso,‭ ‬já começam a surgir colaborações‭ (‬sic‭) ‬para a presidente ter um governo mais eficiente e mais refratário à corrupção:‭ ‬uma CPI para apurar as obras da Copa do Mundo e um projeto de lei reduzindo os ministérios de‭ ‬39‭ ‬para‭ ‬12.

O clima político em Brasília é de tocaia.‭ ‬Governadores,‭ ‬prefeitos e congressistas estão com má vontade.‭ ‬Mas eles fingem bem.‭ ‬Dilma tem estado mais sozinha do que nunca

Fonte:‭ ‬Folha de S.Paulo


CADÊ‭? ‬O LULA‭ 

Acossados pela pressão popular,‭ ‬Executivo,‭ ‬Legislativo e Judiciário sacodem e despertam num estalar de dedos,‭ ‬ou em votações simbólicas,‭ ‬uma lista quilométrica de reivindicações adormecidas.‭ ‬Além do tomate,‭ ‬há um outro grande ausente:‭ ‬o ex-presidente Lula.

O Brasil está de pernas para o ar e os Poderes estão atônitos diante da maior manifestação em décadas,‭ ‬mas o personagem mais popular do país,‭ ‬famoso no mundo inteiro,‭ ‬praticamente não disse nada até ontem.


Confirma assim uma sábia ironia do senador e ex-petista Cristovam Buarque:‭ "‬Tudo o que é bom foi Lula quem fez‭; ‬o que dá errado a culpa é dos outros‭"‬.‭ ‬Hoje,‭ ‬a‭ "‬outra‭" ‬é Dilma Rousseff,‭ ‬herdeira do que houve de bom e de ruim na era Lula.

Na estreia de Haddad,‭ ‬Lula roubou a cena e a foto,‭ ‬refestelado no centro da mesa,‭ ‬dando ordens e assumindo a vitória como sua.‭ ‬Nos melhores momentos de Dilma,‭ ‬lá está Lula exibindo a própria genialidade até na escolha da sucessora.‭ ‬E agora‭?

Haddad foi obrigado a engolir o recuo das passagens,‭ ‬Dilma se atrapalha,‭ ‬errática,‭ ‬sem rumo.‭ ‬Nessas horas,‭ ‬cadê o padrinho‭? ‬O que ele tem a dizer ao mais de‭ ‬1‭ ‬milhão de pessoas que estão nas ruas e,‭ ‬especialmente,‭ ‬aos‭ ‬80%‭ ‬que o veneram no país‭?

Goste-se ou não de FHC,‭ ‬concorde-se ou não com o que diz,‭ ‬ele se expõe,‭ ‬analisa,‭ ‬dá sua cota de responsabilidade para o debate.‭ ‬Dá a cara a tapa,‭ ‬digamos assim.‭ ‬Já Lula,‭ ‬como no mensalão,‭ ‬não sabe,‭ ‬não viu.

Desde o estouro das primeiras pipocas,‭ ‬afundou-se no sofá e dali não saiu mais,‭ ‬nem para ouvir a voz rouca das ruas.‭ ‬Recolheu-se,‭ ‬preservou-se,‭ ‬deixou o pau quebrar sem se envolver.‭ ‬As festas pelo aniversário do PT e pelos dez anos do partido no poder‭? ‬Não se fala mais nisso.

Como marido e mulher,‭ ‬companheiros e partidários prometem lealdade‭ "‬na alegria e na tristeza‭"‬.‭ ‬Mas isso soa meio antiquado e Lula é pós-moderno.‭ ‬Deve estar se preparando para quando o Carnaval chegar.

Fonte:‭ ‬Folha de S.Paulo

Postar um comentário

0Comentários
Postar um comentário (0)