Há 30 anos, grupo de vereadores protagonizaram o primeiro ato pela redemocratização

Antônio Assis
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Cláudia Eloi
Diário de Pernambuco

O ano era 1983 e o dia, 31 de março. Enquanto os militares faziam um desfile cívico no recém-emancipado município de Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife, para festejar o aniversário do golpe de 1964 (uma revolução, na opinião deles), um grupo encabeçado por quatro vereadores decidiu fazer um movimento contrário. Sem prever a repercussão, eles encamparam a primeira manifestação pública em favor de eleições diretas no Brasil e, sem se darem conta, foram precursores de um movimento que percorreu o Brasil com a defesa da redemocratização e que ficou conhecido como o movimento pelas Diretas Já. 



O ato aconteceu meses depois de o senador Teotônio Vilela (AL) ter defendido em uma entrevista ao programa Canal Livre, na TV Bandeirantes, em outubro de 1982, a realização de eleições diretas no país. O tema, porém, era tabu, por causa da repressão. O local escolhido pelos vereadores foi a Praça da Bandeira, no centro de Abreu e Lima, por ser bem localizado e mais espaçoso. Para realizar a manifestação, que no próximo dia 31 de março completa 30 anos, os vereadores do antigo MDB (hoje PMDB) conseguiram emprestado um caminhão, que foi transformado em palanque para a realização do comício. 



Alguns dias antes, um carro de som circulou pela cidade anunciando o evento. Porém, a participação popular foi pequena. Cerca de 100 pessoas compareceram. As perseguições e torturas impostas nos anos de chumbo e o silêncio forçado fizeram com que poucos se arriscassem a comparecer, mesmo com a lei da Anistia em vigor e com a proximidade do fim do mandato do último presidente militar, João Baptista Figueiredo. “Chamamos um fotógrafo e a grande mídia, mas ninguém veio”, conta o ex-vereador Severino Farias. Praticamente nada foi registrado e, no local do ato público, não há qualquer menção ao que aconteceu.


O comício começou às 17h e se estendeu até as 19h. Os ex-vereadores Reginaldo Silva, Severino Farias da Silva, José da Silva Brito (ex-presidente da Câmara e líder do movimento) e Antônio Amaro Cavalcanti, os dois últimos já falecidos, foram os organizadores. O grupo se revezava nos discursos junto com outros 14 oradores. “A presença popular foi tímida porque ainda existia o medo das pessoas em participar de qualquer ato contrário ao governo militar”, contou Reginaldo. O segundo ato do gênero no país só veio ocorrer em 15 de junho daquele ano, em Goiânia (GO). Os discursos, na época, foram de ataque ao governo.
Na cidade, poucos sabem do manifesto
A cidade de Abreu e Lima e seus moradores teriam motivos de sobra para se orgulhar do fato de o município ter sido o berço das Diretas Já. Mas o que deveria ser um atrativo para a cidade, parece relegado ao esquecimento. O ato é desconhecido da maioria da população e não é ensinado nas escolas do município. 


“A história viva de Abreu e Lima está morrendo. Dos quatro vereadores que promoveram o ato público em favor das eleições diretas, dois já se foram”, lamenta o ex-vereador Reginaldo Silva. O jornalista Gamal Brito, filho de José da Silva Brito, ex-presidente da Câmara de Vereadores e idealizador do movimento, diz que é preciso sensibilizar os governantes para que os alunos e a população tomem conhecimento. “Não tem como não falar da democracia sem falar em Abreu e Lima. É preciso resgatar essa história que nunca foi contada. Na cidade ninguém conhece um fato importante como esse para a democracia do país”, lamentou. Eles fazem um apelo à Prefeitura para que o assunto seja sempre lembrado. 



No ano seguinte ao ato público, os parlamentares voltaram a se movimentar pela redemocratização. O presidente do Legislativo municipal leu um ofício falando da importância do manifesto realizado no ano anterior e os parlamentares assinaram um manifesto em favor das Diretas Já. O requerimento foi encaminhado aos legisladores das demais câmaras para que elas repetissem o movimento. “Não tínhamos dimensão da proporção que aquele comício iria tomar. Mas sabíamos da importância do ato. Depois chegou o boato de que seríamos preso, mas felizmente não aconteceu”, relembrou o vereador Severino Farias.

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