A Vergonha que Resiste no Grande Recife

Antônio Assis
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Em Araçoiaba, Elza vive em meio aos dejetos para tirar R$ 200 por mês
Foto: Hélia Scheppa/JC Imagem

O bicho-homem reduzido à condição de bicho-urubu. Elza abre os braços e escancara a vergonha. As imagens que ilustram esta reportagem não deveriam mais existir. Persistem, dia após dia, fruto do descaso e incompetência do poder público de transformar em realidade planos que já foram escritos, reescritos e sempre engavetados. Se dependesse do papel, a Região Metropolitana do Recife (RMR) já estaria livre dos lixões.

Mas em cinco dos seus 14 municípios os dejetos continuam sendo despejados em terrenos baldios. Agressão não só aos olhos, olfato, meio ambiente. Violência sobretudo à condição da dignidade humana. A reportagem do JC visitou todas as cidades do Grande Recife que ainda convivem com esse mal e flagrou menores, adultos e velhos misturados aos restos da cidade. Em Ipojuca, município que sedia o progresso de Suape, encontrou moradia dentro do lixo. Pelo menos 30 barracos, habitados por moscas e miséria. Há mais de uma década, autoridades e órgãos de planejamento se reúnem para decretar o fim do lixo a céu aberto.

O atraso agora pede pressa. O ultimato está lá na Lei Nacional de Resíduos Sólidos, que cravou 2014 como a data-limite para o fechamento de todos os lixões do País. O prefeito que não se adequar à nova regra poderá enfrentar a caneta do Ministério Público, que passará a ter um instrumento legal para obrigar os municípios a fazer o dever de casa.

Elza Ferreira da Silva, 34 anos, já ouviu dizer que o lixão de Araçoiaba, onde ela se humilha diariamente para tirar míseros R$ 200, por mês, vai fechar.Já ouviu essa conversa outras vezes também. Mas, há anos e anos, o terreno, no meio do canavial, continua recebendo caminhões carregados de lixo, dois de manhã, dois à tarde. Assim mesmo, fica preocupada. “O que vai ser da gente? Isso aqui é uma nojeira. Mas sem o lixo, de onde vou tirar meu sustento?”

A pergunta de Elza ganha eco em outros locais visitados pela reportagem. Nenhum catador se orgulha de viver de restos. Mas como dependem do lixão para sobreviver vão direto ao ponto. “No começo eu tinha nojo. Passava mal, vomitava. Agora eu já me acostumei. É isso ou a fome”, diz Rubiana Gomes Marques, 21, que há cinco anos sobrevive do lixão de Itapissuma. “Empresa nenhuma contrata gente sem formação ou estudo. E sem emprego, o que sobra para a gente é o lixo”, resume Josemar Galdino de Brito, 36 anos, que começou a catar no lixão de São Lourenço da Mata quando tinha 13 anos. Parece sina. A maioria dos adultos que estão ali chegou ainda criança.

Ciara Carvalho
Jornal do Comércio

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