Vírus de gado em microcéfalos

Antônio Assis
0
Paulo Trigueiro Renata Coutinho
Folha-PE

Um dos vírus que mais acometem o gado brasileiro pode estar relacionado ao surto de microcefalia descoberto em outubro do ano passado em Pernambuco. Pesquisadores da UFRJ e do Instituto de Pesquisa Joaquim Amorim Neto (Ipesq) encontraram traços do agente responsável pela diarreia viral bovina (VDVB) no cérebro necropsiado de bebês com microcefalia. 

O patógeno atua no gado, muitas vezes, de maneira semelhante ao zika em humanos. Uma equipe do Ministério da Saúde (MS) está acompanhando o achado des­­de quarta-feira.

A descoberta foi feita por meio da técnica metagenômica, que realiza uma varredura no tecido em busca de diversos tipos de patógenos aos quais os bebês podem ter sido expostos. 

Encontrar o VDVB não era a intenção inicial do grupo. De acordo com o diretor administrativo do Ipesq, Romero Moreira, há fortes indícios de que os vírus podem estar trabalhando de forma combinada, mas o estudo ain­da está em andamento. “Na última semana fomos ao MS pedir ajuda para continuar o estudo, porque o Ipesq e o gru­­­po de estudos da UFRJ não têm estrutura suficiente”, relatou. A equipe chegou há três dias em Campina Grande, na Paraíba, onde são estudados os bebês. “A pesquisa será concluída ainda neste final de semana, só aí serão divulgados detalhes como o perfil das mães e a quantidade de amostras”, anunciou uma das responsáveis pelo estudo, a neu­­­­rocirurgiã Alba Batista. 

A descoberta intrigou veterinários experientes, como o professor da UFRPE Roberto Soares Castro, que estuda há 30 anos o agente. “Nunca ouvi falar de registros da doença em humanos. Uma descoberta como essa pode causar medo de ingerir produtos de origem bovina na população”, opinou. Apenas carne crua ou leite não pasteurizado poderiam conter o vírus. A contaminação da água é extremamente improvável. “Por outro lado, a doença é encontrada em todos os lu­­­gares do mundo e, no Brasil, é frequente. Não menos de 60% do gado no País tem anti­­­corpos para ela, o que indica que já o contraíram.” 

Assim como o zika em humanos adultos, o VDVB é comumente assintomático, atingido o sistema digestivo dos animais em alguns casos. Quando passado da vaca para o feto, causa malformações nos órgãos que ataca. O sistema nervoso e os olhos, por exemplo, atacados pelo zika, também o são pelo vírus bovino. “Quando ataca o cerebelo, o bezerro não consegue se equilibrar e acaba morrendo. Também são corriqueiros problemas como a microftalmia, ou seja, quando os globos oculares são pequenos”, exemplificou Castro. 

Outra semelhança com a microcefalia é a relação existente entre o estágio da gestação em que a vaca contrai o vírus e a intensidade da malformação. “A quantidade de vírus também é fator que influencia na consequência para o bezerro. Pode não causar alteração no feto, tanto quanto causar a morte.” 

Para o pesquisador da Fiocruz Lindomar Pena os vírus foram descobertos quase ao mesmo tempo, nos anos 1940, mas o VDVB foi muito bem caracterizado por causa do impacto econômico dos rebanhos. “Sabe-se muito sobre ele, mas a gente não pode fechar os olhos. Essa incapacidade dele infectar humanos po­­­de mudar pela coinfecção por zika”, hipotetizou.

Postar um comentário

0Comentários
Postar um comentário (0)