Especialistas defendem que combate à corrupção exige reforma penal

Antônio Assis
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Júlia Chaib - Estado de Minas

Brasília – Envolto por uma sequência de notícias do envolvimento de políticos no maior esquema de corrupção no país, investigado pela Operação Lava-Jato, 2015 foi marcado pelo escancaramento de escândalos e apontou uma série de desafios pela frente no combate aos atos ilícitos. Casos emblemáticos, como o do ex-senador Luiz Estevão, mostram que ainda são necessárias mudanças, principalmente no sistema judicial, para que a luta contra a impunidade se torne efetiva. Condenado a 26 anos de prisão por desvios de recursos públicos, ele não tem perspectiva de quando será preso. O Ministério Público Federal (MPF) propôs neste ano 10 medidas de combate à corrupção a serem enviadas ao Congresso como projeto de lei de iniciativa popular. Para especialistas ouvidos pelo Estado de Minas, entre as propostas mais urgentes, está a revisão da extensa possibilidade de recursos apresentados pela defesa, uma vez que a lentidão provocada por esses mecanismos leva, muitas vezes, à prescrição da pena.
Algumas das medidas propostas pelo MPF foram enviadas também pelo Executivo ao Legislativo e algumas já tramitam, como o caso da que tipifica o crime de enriquecimento ilícito de servidores públicos e da que estabelece a perda antecipada de bens obtidos por meio de corrupção. Outras propostas buscam tornar mais rígida a punição aos desvios de recursos e acelerar o trâmite dos processos. Na última semana, o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa do MPF que atua na Lava-Jato, criticou a lentidão da Justiça e citou como exemplo o caso de Luiz Estevão. O ex-senador foi condenado há mais de duas décadas por desvios de recursos das obras do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, nos anos 1990. No último dia 9, a condenação foi reforçada, quando um agravo regimental extraordinário foi rejeitado. A publicação do acórdão, porém, leva, em média, 231 dias para ocorrer e a prisão efetiva do ex-senador pode ultrapassar dois anos.

Devido às falhas no sistema judicial, a defesa costuma adotar a tática de apresentar uma série de recursos e postergar ao máximo o processo até que a pena seja prescrita. Este é um dos maiores problemas, na avaliação da promotora de Justiça Cláudia Tomelin. “A Lava-Jato foi um ponto fora da curva, porque, no Brasil, as penas prescrevem. Os casos demoram muito para tramitar. As pessoas não querem colaborar com a Justiça. Os benefícios são maiores do que os custos”, diz. Segundo ela, o escândalo do mensalão foi importante para marcar uma mudança na forma de os processos correrem. Isso porque os denunciados não quiseram repetir o caso do empresário Marcos Valério, que segue preso, após ter sido condenado a 40 anos de prisão depois de delatar o esquema. Esse fator impulsionou os denunciados na Lava-Jato a fazerem acordos de delação premiada.

A promotora afirma que o sistema de Justiça brasileiro é disfuncional. “Normalmente, as pessoas são rés primárias. As penas dos crimes contra a administração pública são baixas. Em função disso, as penas prescrevem, o que gera impunidade. Ou então a pena vai ser cumprida em regime aberto ou substituída pela prestação de serviços”, explica. Para ela, entre as medidas mais importantes que devem ser aprimoradas, estão a possibilidade de revisão da prescrição da pena, o aumento das penas e o aprimoramento da forma de recuperar o dinheiro desviado. De acordo com a promotora, as propostas do MPF agilizam os processos, acabam com as desformidades de apresentação de recursos e habeas corpus e com a impunidade, já que a pessoa pode ser presa antes que o recurso termine de ser julgado. Tipificar o enriquecimento ilícito também é importante, porque hoje não há essa previsão.

Lentidão O especialista em transparência e luta contra a corrupção Floriano Cathalá Loureiro também aponta a lentidão da Justiça como um dos fatores que impulsionam a impunidade. “No caso Luiz Estevão, já são 11 anos e ainda não se consolidou uma sentença, inclusive alguns crimes já foram até prescritos, mas o Supremo não foi criado para ser um tribunal criminal. O STF é uma corte, ele não está totalmente preparado para processos criminais e isso faz com que os processos sejam mais lentos.” Na avaliação de Loureiro, as condições de trabalho de servidores do Judiciário contribuem para a demora na publicação das decisões. “A insatisfação, por exemplo, a questão da rotatividade nos órgãos, servidores que passam em outros concursos e assumem, tudo isso faz com que demore mais”, afirma.

O diretor do Instituto dos Auditores Internos do Brasil (IIA), Fábio Pimpão, defende uma reforma geral do sistema brasileiro para que se ataque a corrupção. Mas, na avaliação do auditor, a medida mais importante é o investimento na prevenção dos casos. “Sem dúvida, a prevenção à corrupção é essencial. O Uruguai, por exemplo, também é um país latino e, embora seja bem menor que o Brasil, é o 20º no ranking de transparência política. Acredito que o fim da corrupção esteja atrelado à transparência, e essa é a medida mais importante para o Brasil.

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