O nobre deputado

Antônio Assis
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Hoje, RadioDemocracia vai abrir uma exceção e não vai oferecer um texto de ficção política. Quero dar um espaço a um livro que deveria estar na biblioteca de qualquer pessoa com um mínimo de consciência política. Hoje, farei uma livre (e talvez emocionada) resenha da obra O Nobre Deputado do Marlon Reis, publicada em 2014 pela Editora Leya. Marlon Reis é Juiz de Direito e se destacou como um dos redatores da Lei da Ficha Limpa.
Interessante o fato do autor usar a ficção política para relatar uma realidade assustadora e pouco conhecida. O personagem principal do livro é um deputado estadual fictício chamado Cândido Peçanha.
O nobre deputado (tem nada de nobre a conduta do mesmo) conta os pormenores da infiltração do dinheiro no jogo político brasileiro. De como se gasta o orçamento das emendas parlamentares, de como se constrói o caixa dois até como se compra voto. Um luxo de detalhes explica como no Brasil existem na verdade 513 partidos, um para cada representante eleito. Cada um deles está empenhando em lucrar ao máximo para se manter no poder (reeleição), agradar os aliados, mandar verba pública para os doadores e se enriquecer pessoalmente. A abundancia dos cofres públicos é sem limites e inunda um sistema político totalmente cínico e corrupto. Movido a dinheiro, o sistema faz da eleição uma mera formalidade onde o que importa é a quantidade de dinheiro arrecadada pelo candidato.
Mais assustador ainda é o relato do flerte (eu diria a copulação diabólica) entre crime organizado e política. Sedentos por dinheiro porque dinheiro determina o resultado da eleição, os políticos aceitam a mão dada pelos agiotas. Nessa altura, começa uma submissão vergonhosa do político eleito a quem empresou o dinheiro para ele. Taxas absurdas de agiotagem fazem com que municípios inteiros estejam sungados por uma besta selvagem chamada agiota. Essa figura sinistra quer uma fatia da merenda escolar, um bocado da manutenção das viaturas da prefeitura ou virar sócio dum prestador de serviços do SUS.

Com espanto, descobri a existência do chamado caixa três. Já sabia do caixa dois (dinheiro recebido pelos políticos sem declaração a Justiça Eleitoral). Existe um outro dinheiro, muito abundante oriundo de empresas e indivíduos interessados numa fatia do abundante orçamento da União. Como definir o caixa três? Suponhamos que um candidato a deputado não tenha mais dinheiro na reta final da campanha. Em vez de pedir dinheiro liquido a fulano de tal (muito arriscado), ele consegue que uma empresa privada use o próprio orçamento para mandar imprimir banners e santinhos promovendo o candidato.  Obviamente, a empresa cobrara um preço para tamanha generosidade caso o candidato seja vencedor na eleição. Nem a Justiça Eleitoral consegue detectar que isso é financiamento de campanha.
Lendo a obra do Marlon Reis, cheguei à conclusão que só jogador de futebol ou policial famoso consegue ganhar um lugar no poder legislativo sem vender a alma a empresas privadas, a prefeitos aliados ou a agiotas. Só quem conseguiu virar famoso por mérito próprio pode escapar as regras implacáveis do sistema político brasileiro. Dá medo.
O quadro causa indignação e raiva. Ao meu ver, a contribuição principal desse livro é explicar como funciona o sistema. Nada pior do que uma indignação fundamenta em ignorância. Nada pior que uma conversa de boteco que não rasga o véu da malandragem que opera em Brasília e nos bastidores das campanhas. Cabe a nós eleitores ir adiante e imaginar como reformar a Republica. Só nos resta isso: usar a Inteligência para pensar instituições nova e ter a Garra de enfrentar as máfias que querem manter o status quo. Coitada republica brasileira! Violentada por lobos sem escrúpulos que usurpam a democracia!

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