Do Coque para o mundo: entrevista com João Targino

Antônio Assis
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Orquestra Criança Cidadã Meninos do Coque já recebeu mais de 20 prêmios. Foto: Ricardo Fernandes/DP/D.A Press

Raphael Guerra
Diario de Pernambuco

O sonho de transformar a vida de crianças e adolescentes de uma das comunidades mais pobres e violentas da capital pernambucana surgiu há quase nove anos. Foi quando o juiz pernambucano João José Targino decidiu criar um projeto social voltado para a música que pudesse atrair a atenção desses meninos e meninas e tirá-los da situação de vulnerabilidade. O primeiro passo aconteceu com o lançamento da Orquestra Criança Cidadã Meninos do Coque. Com mais de 20 prêmios conquistados e reconhecimento até da Organização Nacional das Nações Unidas (ONU), o grupo encantou o papa Francisco, durante apresentação no Vaticano em novembro de 2014. “É um orgulho para o estado e para o Brasil. Tocar para um papa é uma honra”, definiu Targino. Em entrevista ao Diario de Pernambuco, o coordenador da orquestra detalhou a trajetória do grupo, as conquistas e promessas de ampliação dos trabalhos em 2015.

"Meu grande sonho é ver esse projeto ampliado para todo o estado"
 (Foto: Blenda Souto Maior/DP/D.A Press)



Como surgiu a ideia de criar uma orquestra formada por crianças e adolescentes da comunidade do Coque? E qual a avaliação nesses quase nove anos de história?
Fui tocado por Deus com a ideia de criar um projeto social por meio da música. Convidei o maestro Cussy de Almeida para que fizesse parte na condição de coordenador artístico e musical. Ao longo desse período, obtivemos um resultado muito além do esperado. É uma avaliação que encontra amparo nas vozes de pessoas que são especialistas na música. Elas afirmam que os meninos estão muito mais evoluídos do que poderiam esperar pelo tempo que eles têm de aulas de música. Estamos felizes por saber que o projeto está rendendo frutos. Nosso objetivo com a criação da orquestra foi, primeiramente, formar cidadãos. Formar o caráter, o homem e, em seguida, o profissional. Só assim não há risco de termos um profissional deformado, um cidadão incompleto. Temos obervado exemplos de transformações de vida. Um deles é de seis alunos que se submeteram a concurso público na Orquestra Sinfônica de Goiás. Quatro deles ficaram em primeiro lugar, sendo um no violino, um na viola, um no violoncelo e um no contrabaixo. Isso prova que o trabalho é de qualidade. Os outros dois passaram em segundo lugar. Como disse ao papa Francisco, esses meninos são pobres de bens materiais, mas ricos de talento. Toda pessoa nasce com um talento, e precisa que ele seja explorado. Precisa que um braço de oportunidade seja estendido. Estamos levando oportunidade para eles. Muitos já passaram pela vida e não mostraram seu talento porque nenhuma oportunidade foi dada.



Como funciona a rotina dos meninos que fazem parte da orquestra?
Eles frequentam a escola de música no contraturno das escolas. É condição indispensável que todos sejam matriculados na rede pública de ensino. Eles precisam ser moradores do Coque ou da comunidade de Camela, distrito de Ipojuca, onde também temos sede desde outubro. Os alunos assistem aula das 8h ao meio-dia e das 14h às 18h. Há aulas de música, três refeições diárias, fardamento de gala e fardamento de uso diário. Contam com atendimento médico, odontológico e psicológico, reforço escolar, aulas de línguas e informática.



Como aconteceu a ampliação da orquestra para atender os meninos e meninas que moram em Ipojuca?
Fomos procurados, no início de 2014, pelo secretário de Juventude e Esportes de Ipojuca, Miquéias Silva, para estabelecer parceria porque ele via no projeto uma forma de transformação social e mudança na vida das pessoas. Levamos adiante e, em outubro, nasceu a Orquesta Criança Cidadã Meninos de Ipojuca, que atende 100 crianças na comunidade de Camela, lugar que vem sendo assolado por problemas de prostituição infantil e delinquência infanto-juvenil. O projeto chega com seu caráter preventivo para atender aqueles talentos de Camela e evitar que meninos ingressem em caminhos que não sejam corretos. Em três meses, conseguimos produzir resultados fantásticos.



Neste novo ano, há expectativa de ampliação no número de integrantes da Orquestra Cidadã?
Atualmente, são 170 jovens. Em 2015, vamos começar a atender 220. Esse é um anúncio que faço com satisfação, porque demonstra que o projeto está crescendo e mais oportunidades estão sendo dadas. A comunidade do Coque é muito rica em termos de talento. A ampliação também é possível graças a nossas parcerias. Hoje, 95% dos recursos de manutenção derivam dos Correios, Caixa Econômica Federal, Sesi/Fiepe e Shineray. Em 2015, teremos reforço da empresa de energia Ebrasil e da editora Abril.



Como foi para a orquestra ter a oportunidade de tocar para o papa Francisco?
Foi o maior momento vivido pela orquestra até hoje. Foi a primeira orquestra da América Latina que tocou para um papa no Vaticano. É um orgulho para Pernambuco e para o Brasil. Tocar para um papa é muito honroso, mas tocar para o papa Francisco é ainda mais, porque é um homem de uma dimensão humana extraordinária. Ele transmite algo que nos comove muito pela simplicidade. Ficamos muito felizes, o santo padre também. Conseguimos tocar para ele graças à parceria com a Fraternidade Católica, que está sob comando do pernambucano Gilberto Barbosa, presidente mundial da instituição, com sede no Vaticano. Estávamos no evento de canonização do papa João Paulo II, em abril de 2014, quando sugeri ao Gilberto apresentar a orquestra no encontro com o papa na Conferência da Fraternidade Católica. E a partir daí começamos a trabalhar para levar 50 pessoas ao Vaticano. Foram 43 músicos, um maestro e seis acompanhantes. Deus nos ajudou a apresentar nossa arte, nossa cultura ao papa Em novembro de 2015, voltaremos a tocar para ele.



Que outras novidadades estão previstas para 2015?
A principal meta é começar a construção da sala de concertos e da escola de música da orquestra. Esta sala será a segunda melhor do Brasil em termos de acústica. Só vai ficar aquém da Sala São Paulo. Terá capacidade para 816 espectadores, com equipamentos moderníssimos. Com ela, será possível colocar o Recife na rota das orquestras sinfônicas mundiais. A empresa Odebrecht ajudou na elaboração dos projetos, que tiveram a contribuição dos melhores profissionais de Pernambuco. As licenças já foram concedidas. Esperamos poder entregar a obra em dois anos. Será um presente para enriquecer a cultura do Recife e do Nordeste. Se a parceria entre o BNDES e a Prefeitura do Recife for concretizada, 80% da obra estarão garantidos. Após a finalização, passaremos a atender 300 jovens. Isso dará um salto gigantesco. Meu grande sonho é ver esse projeto ampliado para o estado de Pernambuco e quem sabe para o Brasil.



Saiba mais


A orquestra foi criada em 25 de julho de 2006


Atualmente, 170 crianças e adolescentes fazem parte da Orquestra Criança Cidadã Meninos do Coque. Neste ano, 50 novas crianças serão inseridos no grupo


A orquestra foi a primeira da América Latina a tocar para um papa no Vaticano


Em novembro de 2014, parte do grupo também se apresentou para o primeiro-ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho, no Palácio de São Bento, em Lisboa


Em oito anos, foi premiada mais de 20 vezes, incluindo o prêmio de boa prática de inclusão social pela ONU, em 2010


Criada em outubro de 2014, a Orquestra Criança Cidadã Meninos de Ipojuca conta com 100 integrantes

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