Carlos Chagas
Completam-se 60 anos, este mês, da maior tragédia sofrida pela República brasileira desde sua proclamação. Dia 24 a nação deveria parar para reverenciar aquele que foi o maior de nossos presidentes e decidiu,com um tiro no peito, mobilizar as forças populares e operárias que havia redimido ao longo de décadas anteriores e se encontravam prestes a perder boa parte de seus direitos. O sacrifício de Vargas adiou por mais dez anos a cupidez das elites. Seus herdeiros, a começar por João Goulart, em 1964, assistiram o inicio do desmonte das estruturas sociais que dali por diante os sucessores promoveram. Registram-se, também agora, os 50 anos da queda da democracia que levará 21 para restabelecer-se. Mas sem trazer de novo em sua plenitude as conquistas anteriores.

Quando, na madrugada do dia 24, o velho presidente percebera a armadilha em que o tinham prendido, desencadeou a libertação não apenas de seus esforços anteriores e dele próprio, mas o petardo que fez tremer por mais uma década os alicerces dos privilegiados. Deixou o documento que sem sombra de dúvidas inscreve-se no rol dos mais contundentes libelos libertário de nossa História. Ei-lo:
“Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenam-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação de grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. À campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se a dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros internacionais foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade na potencialização da Petrobrás. Mas esta começa a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
Assumi o governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% a ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender o seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser o meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida .Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis a minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a lutar por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota do meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio, respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram, respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo jamais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço de seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, a infâmia, a calúnia não abateram o meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora, ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente, dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.”
Sessenta anos não são nada na história do mundo. Esse documento continua atual, presente e necessário. Algum candidato presidencial terá coragem de repeti-lo em sua campanha?