Cambistas agem livremente na internet e inflacionam os bilhetes da Copa do Mundo

Antônio Assis
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Rômulo Alcoforado
Folha-PE


Você provavelmente conhece ou até participa dos grupos de troca e venda do Facebook. Elogiadas pela praticidade e velocidade em concretizar negócios, as comunidades desse tipo também se prestam a objetivos escusos. A Copa do Mundo escancarou essa particularidade: o cambismo tem acontecido livremente na rede social. A reportagem da Folha de Pernambuco flagrou cobranças extorsivas numa página que tem mais de 20 mil membros. Os cambistas virtuais - a maior parte deles sem experiência na prática - chegam a pedir 22 vezes o preço original do ingresso (Holanda x Chile, no Itaquerão, de R$ 60 por R$ 1.350).
O funcionamento do grupo de comercialização de bilhetes é simples. A pessoa faz uma solicitação para participar - que, em geral, é aceita em poucos minutos. Depois disso, o membro pode anunciar a venda de ingressos ou publicar o interesse em determinadas partidas. A negociação propriamente dita normalmente acontece em mensagens privadas.
A Folha entrou em contato com três vendedores, cujas identidades serão preservadas. Um deles tentou vender ingresso para a categoria 4 de Alemanha x Estados Unidos, na Arena Pernambuco, no próximo dia 26, por R$ 300. Para esse setor específico, o bilhete é vendido oficialmente por R$ 60.

O segundo vendedor tinha ingressos disponíveis para mais partidas. Alegou que estava vendendo vários bilhetes para conseguir arrecadar dinheiro suficiente para a final do Mundial. Daí, os preços abusivos, explicou. Ele negocia uma entrada no jogo Coreia do Sul x Bélgica, em São Paulo, pela primeira fase, por R$ 600. O valor original para partidas desse tipo, na categoria 4, é dez vezes menor: R$ 60. Ele também vende ingressos para o setor 4 – o mais barato - de um duelo de oitavas de final, que também acontece na capital paulista. Comprou por R$ 110 e quer repassar por R$ 1.500. Valor mais de 13 vezes superior ao praticado pela Fifa.

O terceiro anunciante tentou vender entradas para a partida Espanha x Chile, no Maracanã, às 16h de 18 de junho. O detalhe é que o ingresso é do lote promocional reservado para quem trabalhou na obra do estádio. E, conforme impresso no próprio bilhete, não pode ser vendido. O preço? R$ 1.500 cada um. Os dois, juntos, têm “desconto”: saem a módicos R$ 2.500. Quando um dos membros do grupo criticou a inflação dos valores, o cambista aludiu à regra mais conhecida do mercado. “Lei da oferta e de procura. Tu lembra que o quilo do tomate chegou a ser comercializado por R$ 15? Pois é meu jovem, os ingressos são meus. Se eu conseguir esse valor, beleza. Caso não, vou ao jogo”, argumentou.
A comercialização de ingressos acima do preço original configura crime: de acordo com o Estatuto do Torcedor, quem for flagrado vendendo entradas por valor superior ao impresso no próprio bilhete pode ser preso por até dois anos.
Riscos - Além do prejuízo financeiro, o torcedor que comprar ingressos a cambistas correrá outro risco: o de não assistir às partidas. Os bilhetes da Copa são nominais. E há fiscalização para impedir impostores de entrar nos estádios. Só é possível substituir a titularidade diretamente com o consentimento da Fifa, que só autoriza transferência para um convidado particular e para pessoa da mesma família. Ou em caso de doença grave e morte. Em qualquer outra situação, o ingresso deve ser devolvido à entidade, que ressarce o valor e revende a entrada.
Fifa faz alerta aos torcedores
A Fifa tenta combater o problema, que classifica como global, usando o aparato que tem à sua disposição. O departamento de Imprensa da entidade explicou - sem revelar muitos detalhes - como acontece o controle. “Estamos trabalhando em todo o mundo em conjunto com inúmeras autoridades governamentais e/ou responsáveis pela aplicação da lei com o objetivo de atingir um número significativo de revendedores não autorizados”.
As atenções da organização não são especificamente voltadas para pessoas que vendem ingressos individualmente. O grande problema detectado pela Fifa são as empresas que vendem bilhetes falsos. “Essas empresas já estão oferecendo ingressos que muitas vezes nem sequer têm, a preços exorbitantes e altamente inflacionados”, afirma a entidade, que pede alerta máximo aos torcedores - os verdadeiros prejudicados com a situação. “Para dar um exemplo dramático que se passou numa Copa do Mundo da FIFA anterior: na final de 2010, em Joanesburgo, centenas de torcedores foram impedidos de entrar no estádio Soccer City, já que haviam comprado ingressos no www.euroteam.net, que eram falsos”, adverte.
Fiscalizar a atuação dos cambistas também é atribuição da Delegacia do Consumidor, da Polícia Civil de Pernambuco. Mas, de acordo com o delegado Roberto Wanderley, o principal alvo de controle são os cambistas “físicos”. Aqueles que vendem os bilhetes a preços altos nos arredores do estádio e dos pontos de venda. A comercialização ilegal na internet, ele admite, não é o principal foco. “Se surgir alguma denúncia ou algo mais concreto, nós vamos atrás. O que sabemos de cambismo na internet é de ouvir dizer”, afirma.
O problema dos cambistas acontece em todo o Brasil. Na semana passada, um argentino foi preso ao tentar vender oito ingressos da Copa no Rio de Janeiro. As entradas estavam sendo comercializadas por até R$ 1.300. O preço máximo pedido pela Fifa por aquele tipo de bilhete era R$ 350. 

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