João Gualberto Jr.
Uma sentença atribuída a Shakespeare ensina que “a desconfiança é o farol que guia o prudente”. Sábio foi o jagunço Riobaldo, que de nada sabia, mas desconfiava de muita coisa. O tempo é de filtrar muito bem o que assedia os ouvidos e os olhos. Convém não perder de vista que a militância partidária, da base à cúpula, não almeja como meta da atividade a justiça social, a igualdade, o desenvolvimento, o progresso ou qualquer outra virtude coletiva.
O partidário tem três metas principais: poder, poder e poder. Nada além. Se um partido é o mais gabaritado a levar a um ambiente em que há justiça, igualdade, desenvolvimento ou progresso, é algo que só se prova com a prerrogativa da ascensão ao poder. Os resultados coletivos, como a própria palavra diz, são consequências, e eles podem se confirmar ou não.

Nos períodos eleitorais, se dão surtos de hipersensibilidade. Um balanço contábil, uma projeção pessimista ou um projeto de lei controverso, de repente, passam a ter potencial para eclodir uma crise política. Se fosse em um ano ímpar, ingredientes como esses não teriam a menor bola. É a eleição o que leva à majoração e à superprojeção dos factoides.
Quem está fora do comando contesta e faz rebuliço sobre o que se julga ser malversação dos adversários no poder: vão à Justiça, mobilizam depoimentos de ministros e secretários no Legislativo e discursam em nome do povo e da nação. Do outro lado, os apoderados tecem loas às melhorias acumuladas na condição de vida do povo e da nação. “Povo”, “nação”, “país”, palavras rotas que significam tanto e dizem tão pouco ao mesmo tempo. É bom desconfiar de quem as usa. As questões em debate são diversas, as cores das bandeiras, idem, mas a intenção não muda.
OLHOS E OUVIDOS
A eleição deste ano demanda tão bons olhos e ouvidos que até pesquisa de intenção de voto gera suspeita, como a mais recente publicada. A metodologia usada pelo instituto foi questionada e, em tese, poderia ter favorecido um determinado candidato a presidente. Já no caso do IBGE, a ausência das pesquisas e a decisão de suspender séries de levantamentos são o que cheira mal.
A imprensa, evidentemente, também requer cautela. Até sem querer querendo, jornais, rádios, emissoras de TV e portais na internet fazem campanha. Um exercício útil é perguntar, por exemplo: por que foi feita essa matéria? Por que o jornal foi aberto com ela? Quem são os especialistas ouvidos pela equipe de reportagem? Há que se desconfiar dos fatos vendidos como verdade, já que fatos são relatados, editados e publicados. A verdade pode mudar de figurino conforme a etiqueta vigente.
Desconfiar se deve, inclusive, de colunas como esta, que, ao tentar alertar que a propaganda reside por trás de qualquer discurso, não deixa de fazê-la. (transcrito de O Tempo)