Algum filósofo, quem sabe um santo, pode ser até que um político, terá meditado estar a ingratidão no rol dos maiores defeitos da pessoa humana. Tome-se a reunião solene realizada ontem pelo Congresso para comemorar os vinte anos do Plano Real. Nada contra, não fosse a pouquíssima importância que se deu a quem decidiu acabar com a inflação e colocou em risco seu próprio mandato e sua imagem para a História. Se não desse certo, ele seria o responsável.
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Assim, o então presidente defrontou-se com grave questão: encontrar logo um novo ministro para desenvolver o plano de recuperação econômica ou cair no descrédito. Sem opções, apelou para seu ministro de Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso, então posto em sossego e conformado em encerrar sua carreira política entre banquetes e coquetéis desimportantes. Não se reelegeria senador e, mesmo para deputado, não parecia fácil.
Itamar encontrou o sociólogo numa embaixada em Washington e, em curto telefonema, fez o convite. FHC refugou de imediato. De jeito nenhum. Não era economista e estava muito bem no Itamaraty. Foi dormir certo de haver espantado aquele fantasma descabido e impertinente.
De madrugada o telefone toca outra vez, agora no hotel. Itamar de novo, mais ríspido do que o normal, participando ter encaminhado às oficinas do Diário Oficial decreto nomeando Fernando Henrique ministro da Fazenda. Era acatar a disposição ou demitir-se do ministério das Relações Exteriores.
De volta no avião, aliás, de carreira, não demorou muito para absorver a nova situação e veio pensando como desatar aquele nó monumental. Pensou primeiro em Pedro Malan, depois em José Gregori e enfim naquele grupo de cabeludos do Departamento de Economia da PUC do Rio. Desembarcou entregando seu futuro a Deus, mas logo reuniu a equipe. Em poucos dias fluíram as sugestões tidas por muita gente como doidinhas, a começar pela mudança no nome da moeda. De cruzeiro para real.
Não se pode tirar de Fernando Henrique o mérito de ter enfrentado o desafio e de submeter-se às propostas do grupo recém formado. Claro que pensou na hipótese de, diante do êxito, transformar-se em candidato presidencial.
Quem tomou a decisão fundamental, porque política, porém, foi o presidente Itamar Franco.Nem ele nem o novo ministro da Fazenda entendiam de economia. Sendo assim, soou um pouco estranha a homenagem prestada pelo Senado por iniciativa de Aécio Neves, que centralizou em Fernando Henrique Cardoso as lantejoulas, confetes e serpentinas pelos vinte anos do Plano Real. Se Itamar não foi esquecido, viu-se ao menos posto em cone de sombra. Coisas da ingratidão…