E o Moscouzinho terminou virando ótica

Antônio Assis
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Ciro Carlos Rocha
JC Online

Edmilson Costa, à Frente da ótica que passou a funcionar onde antes era o bar Moscouzinho
Clemilson Campos/JC Imagem 

O nome era singular: Moscouzinho. O endereço: Rua do Riachuelo, centrão do Recife. Ali, durante mais de três décadas, noitadas e mais noitadas serviram de inspiração para que uma patota de boêmios trocasse informações, avivasse as idéias ou abrisse novas polêmicas, entre goles e mais goles de uísque, vodca, caninha ou copos de cerveja. Também para partidas intermináveis de porrinha ou simplesmente para um bate-papo amigável de fim de dia.

Há três meses, o tradicional bar Moscouzinho virou uma ótica. A ótica Riachuelo, novo estabelecimento de Edmilson Costa Silva, dono há 28 anos da Papelaria Brasil, ali bem pertinho, ambos no cinturão do edifício Círculo Católico. Edmilson, antigo frequentador do Moscouzinho, revela que até quis manter o nome na ótica, mas não conseguiu autorização dos “antigos donos”.

O fechamento do bar coincidiu com o afastamento (e depois falecimento) de um dos membros da patota de frequentadoras mais entusiastas do bar: o advogado e procurador do Incra Leonardo Cavalcante, 74 anos. Ele morreu há duas semanas, após um período internado por causa de complicações na saúde, depois de ter passado por um transplante de fígado.

“Cheguei até a pensar: agora, com fígado novo, o Léo vai voltar com tudo. Mas aí soube que o pulmão não respondeu”, lamenta Edmilson, que guardou uma talha com o nome do bar Moscouzinho como lembrança. Além de ter frequentado muito o bar, ele ajudava na organização de eventos tradicionais do local, arrumando o som, por exemplo, nas saídas da Franga do Dia, bloco carnavalesco do pedaço.

Mas o Moscouzinho, reza a história, não nasceu Moscouzinho. O nome de batismo, ainda com os ares da ditadura militar (1964-1985), era mais apropriado ao período: Lanchonete Transamazônica – uma homenagem à gigantesca rodovia projetada no governo do presidente-general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974).

Com o processo de abertura, frequentadores da “patota comunista” foram trabalhando a ideia de mudar o nome. Tudo com a complacência do primeiro proprietário, José Carlos Mendonça, o Bel. Da turma são citados, entre outros, Byron Sarinho, Aberlardo Caminha, Nailton Santos, Clávio Valença, Noel Rodrigues e Aníbal Valença – este último, lembram, chegou a providenciar uma placa com o nome Moscouzinho gravado em russo.

Com a abertura, a mudança de nome e a assiduidade cada vez maior de um time de intelectuais, boêmios e militantes (muitos comunistas), o bar teve uma característica própria e escreveu seu nome na história da boemia recifense. História essa que chega, agora, ao fim. Para quem frequentou, as lembranças são muitas e, pode-se dizer, por etapas.

Com a morte do primeiro proprietário, Bel, o Moscouzinho foi passando de dono a dono, sempre como a “supervisão” informal de Leonardo Cavalcante. O adeus à vida de Byron, em 2002, foi um grande baque para o bar, assim como a morte de Leonardo, agora. “Boêmio singular, seus amigos – entre os quais nos incluímos, sempre brincávamos com ele de que era, junto com Byron Sarinho, um quase sócio do bar Moscouzinho”, lembra o deputado federal e presidente nacional do PPS, Roberto Freire (SP), em nota na qual lamenta – junto com o partido – o falecimento do procurador.

“Quando Byron se elegeu vereador (do Recife, em 1988), deu uma ‘carga’ no Moscouzinho. Mas nos últimos tempos, o bar vinha definhando aos poucos”, lembra Francisco de Assis, o Chico Preto, líder comunitário desde os anos 70 e antigo militante comunista, hoje dirigente do PPS. Situação que chegou ao desfecho com o afastamento compulsório de Leonardo.

Curiosamente, o fechamento do bar – como o nascimento – ocorre em um ano simbólico do processo político. Se o batismo veio com os bons ares da abertura política, o adeus ocorre num 2014 de fortes manifestações de rua e questionamentos a práticas políticas de uma democracia que parece caminhar para uma nova etapa.

Sem dúvida, um momento que daria muita conversa (e polêmicas) nas mesas do Moscouzinho.

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