
Os governos recuaram, mas a guerra continua, mais forte do que nunca. Os manifestantes se descobrem com imenso poder, multiplicam-se pelo país, desdenham os partidos e, ontem, ameaçaram cercar o Palácio do Planalto.
As tropas fiéis à presidente Dilma Rousseff tiveram de montar duas trincheiras: uma de defesa do Planalto, fisicamente; outra da própria presidente, politicamente.
Enquanto os policiais fazem um cordão de isolamento para evitar que os manifestantes batam às portas ou nas vidraças do Planalto, os (poucos) políticos realmente dilmistas tentam neutralizar a base aliada e buscar um rumo para a presidente. Mas quem está no comando é Lula.
O núcleo do poder já discute a conveniência, ou a emergência, de jogar o ministro Guido Mantega às feras, antes que as manifestações e as notícias desastrosas da economia se embolem numa só bomba e caiam dentro do Planalto, no colo de Dilma.
As ruas do país estão em chamas, enquanto a Bolsa derrete, o dólar dispara e o índice de emprego --que se mantém muito bom-- já não dá para o gasto político. Foi engolido pelas más notícias na economia e pela frustração popular.
O curioso é que, saia Mantega ou não, a protagonista é outra e o filme está ficando repetitivo. Em janeiro, como escrito neste espaço, a ordem de Lula era "destravar" a economia e o governo ou, quem sabe, destravar a própria Dilma. Cinco meses depois, lê-se na própria Folha que agora Lula quer dar uma "chacoalhada" no governo (ou, quem sabe, chacoalhar a própria Dilma?).
De lá para cá, a coisa desandou rápida e surpreendentemente. A acusação a Dilma é que, em dois anos, ela torrou o patrimônio político, econômico e social que herdou de Lula. A família lulista está tão em pé de guerra quanto os manifestantes que, por pouco, não subiram a rampa do Planalto na quinta-feira de fúria. Até o fechamento desta edição.
Fonte: Folha de S.Paulo
NENA CABRAL COMENTA : O PAPA FRANCISCO TRAZ NÃO APENAS UM EXEMPLO DE HUMILDADE, FRATERNIDADE E IGUALDADE, MAS TAMBÉM DE SENSO ESTRATÉGICO
Ele se dispensou de dar recados políticos na curta homilia na basílica de Aparecida e dispensou as autoridades brasileiras de lições morais em seu igualmente rápido discurso aos poderosos no Palácio da Guanabara. Limitou-se à pregação religiosa em ambas, leve, sorridente, defendendo a alegria e a esperança.
O teor político foi reservado ao ambiente laico do hospital São Francisco de Assis, no Rio, em que ratificou sua conhecida posição contrária à descriminalização das drogas e condenou os "mercadores da morte". Mas ele vinha relevando, pelo menos até ontem, eventuais pressões da ala conservadora da própria igreja e adiando outras questões espinhosas e desagregadoras.
Sua prioridade não é aprofundar divisões, é evitar evasão. Segundo o Datafolha, os brasileiros que se declaravam católicos eram 75% da população em 1994, caíram para 64% em 2007 e são 57% hoje, prenunciando que, muito em breve, serão menos da metade das pessoas no "maior país católico do mundo".
Nesse contexto, destaca-se um fato político. Quem mais se beneficiou das manifestações de junho e da implosão da popularidade de Dilma foi uma candidata evangélica: Marina Silva, um exemplo concreto a confirmar as estatísticas.
Criada no catolicismo, sua porta de entrada na militância social e na política, ela se converteu às igrejas evangélicas, das quais incorporou a linguagem, a imagem, até o gestual.
Não se sabe até que ponto a religião conta a favor ou contra a eleição de Marina, mas não deixa de ser um curioso dado de análise que, justo no tal maior país católico, a candidata que está em segundo lugar seja uma ex-católica, atual evangélica.
A grande missão do papa Francisco no Brasil é estancar a sangria. Ou seja: somar, não ajudar a subtrair.
Fonte: Folha de S.Paulo
NENA CABRAL COMENTA: A MUDANÇA DE PAISAGEM DO PODER
Absorvida a primeira onda de choque do abalo sísmico que mudou a paisagem do poder, ganha corpo no Planalto a percepção de que é preciso entrar em agosto com medidas de impacto --e que fujam de bruxarias como o malfadado plebiscito da reforma política.
A janela é curta, de duas semanas. A atual está tomada até domingo pela presença midiática do papa Francisco. Já a seguinte ainda não terá a volta do Congresso, onde o clima é de guerra campal e as faturas não param de ficar mais caras.
Segundo esse raciocínio, é agora a hora de mexidas, mas não uma ampla reforma ministerial, que só deve ocorrer mais à frente e poderá embutir alguma redução do desenho da Esplanada como vacina eleitoral.
Para esses governistas, é preciso tratar já de dois pontos nevrálgicos para a batalha da reeleição: economia e articulação política.
Guido Mantega inexiste como fiador de credibilidade. Dilma gosta de insistir em erros, e a inflação do meio do ano mantém o balão de oxigênio ligado sob os escombros na Fazenda.
Mas a economia está parada como um todo, como apontou ao "Estado de S. Paulo" Alexandre Tombini, presidente do BC. Entrevista que, por desancar a política fiscal na véspera do corte orçamentário de mentirinha anunciado por Mantega, foi vista como um manifesto.
Se é isso, não se sabe, mas Tombini tem hoje qualidades para ocupar a cadeira de Mantega, em caso de troca: a confiança da chefe e, supõe-se, o dom de acalmar os mercados.
Na articulação, vital para evitar que o governo passe o resto do ano sob fogo, o xadrez é mais difícil. Os nomes mais cotados para substituir Ideli Salvatti são Ricardo Berzoini e Aldo Rebelo, ambos com resistências de todos os interessados.
Para os defensores do uso da janela, o tempo corre. No governo, a expectativa é a de que a segunda onda dos protestos de rua venha no 7 de Setembro. E que seja ainda maior.
Fonte: Folha de S.Paulo