O que a Desaceleração da China Significa Para o Brasil

Antônio Assis
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MOHAMED A. EL-ERIAN, PRINCIPAL EXECUTIVO CODIRETOR DE INVESTIMENTOS DA PIMCO; ESCREVE PARA O ESTADO A CADA DOIS MESES - O Estado de S.Paulo


Crescem as preocupações com a China, e não por sua transição política, nem por seus conflitos com o Japão sobre aquelas ilhotas no Oceano Pacífico. O que está em jogo é a desaceleração da economia e os impactos que isso poderá causar no crescimento, no comércio e na estabilidade financeira globais. E isso influencia numerosas economias por todo o mundo, entre as quais a brasileira.

Recentemente, tanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) quanto o Banco Mundial juntaram-se a muitos analistas do setor privado que revisaram suas projeções para o crescimento da China. Com 8,2% de crescimento para 2013, acreditamos que é só uma questão de tempo para essa projeção ser novamente reajustada para baixo.


De fato, a China, está enfrentando muitos ventos contrários. A despeito do crescimento da demanda doméstica, os motores do crescimento e do emprego do país ainda dependem de mercados externos. E os principais compradores de suas exportações estão vendo sua renda se contrair (como no caso da Europa) ou estagnar (Estados Unidos).

Não espanta que indicadores antecedentes, como o Purchasing Managers Index (índice de confiança empresarial) tenham estado num território ligeiramente contracionista há meses. E não espanta que empresas chinesas estejam se preocupando com a melhor maneira de manejar estoques que correm o risco de ficar elevados demais diante do panorama atual da demanda global.

Não ajuda muito tampouco que o mundo ainda esteja tendo grandes dificuldades para acomodar a importância estrutural no longo prazo do crescimento da China na economia global, frustrando, com isso, a solução ordenada de persistentes desequilíbrios globais.

As autoridades chinesas continuam a sentir que nem a Europa nem os Estados Unidos são sérios o suficiente para lhes dar uma voz na governança econômica global compatível com a influência econômica internacional do país. Enquanto isso, o outro lado se queixa de que a China ainda não está se colocando à altura de suas responsabilidades globais, e os EUA em particular continuam pressionando o país pela valorização da moeda e pela liberalização do setor financeiro chinês.

Além disso, existem as transições internas chinesas. O que está em questão aqui vai além da mudança política tradicional de cada década - que implica não somente uma mudança de geração, mas também uma nova evolução no modelo de governança, afastando-se de um regime mais unipessoal na direção de um governo exercido mais por meio de comitês.

A China atravessa um estágio particularmente delicado de seu desenvolvimento econômico. Conhecido como a "transição da renda média", muitos países já tropeçaram previamente nesse processo muito desafiador. De fato, como nos lembra o ganhador do Nobel, Michael Spence, somente cinco países passaram com sucesso por essa transição com altas taxas de crescimento. E nenhum tinha o tamanho e a complexidade da China.

De qualquer ponto de vista, uma desaceleração da taxa de crescimento chinesa é altamente provável. A questão é quanto e por quanto tempo. E isso tem grande importância para um país como o Brasil, que está interconectado com a China de várias maneiras.

A China tornou-se a maior parceira comercial do Brasil, passando os Estados Unidos em 2009. Atualmente corresponde a quase um quinto das exportações brasileiras, com uma concentração particularmente pesada em apenas seis produtos (café, minério de ferro, petróleo, aves, soja e açúcar). A relação também cria um superávit comercial bilateral a favor do Brasil que alcançou US$ 11,5 bilhões no ano passado (ante apenas US$ 1,4 bilhão em 2005).

Isso torna o Brasil altamente sensível tanto ao efeito direto (demanda) como indireto (preço) da volatilidade econômica chinesa. Segundo nossos cálculos, o impacto da China no crescimento do Brasil elevou-se drasticamente nos últimos anos, tanto que sua influência é hoje maior que a de todo os demais países do mundo juntos.

A China é também uma importante investidora no setor brasileiro de commodities. As tendências por lá também influenciam a disposição de empresas brasileiras aumentarem suas próprias despesas de capital.

Não espanta que os mercados financeiros brasileiros sejam sensíveis a indícios de desaceleração na China. De novo, nossos cálculos apontam um pronunciado aumento secular na correlação do Ibovespa com parâmetros afins na China.

Então, para onde vamos a partir daqui? Vários observadores já concluíram que a desaceleração chinesa será a um só tempo muito aguda e muito prolongada. Eles também se preocupam com a corrupção e a desigualdade de renda. Eles notam ainda que o ativismo sindical alastra-se pela indústria chinesa.

Em suma, os pessimistas sobre a China acreditam que a história de sucesso excepcional da China basicamente acabou; e seus argumentos se apoiam em fatores econômicos, políticos e sociais. Apesar de seus insights serem importantes, suas conclusões gerais parecem exageradas para nós.

Acreditamos que a China será capaz de realizar um pouso suave de sua economia, na direção de uma taxa de crescimento anual em torno de 7% nos próximos anos. Apesar de significativamente mais baixa do que nos últimos anos, isso não constitui velocidade de estol (velocidade mínima de uma aeronave para sustentação no ar). 

Tampouco destrói o contrato implícito que evoluiu entre os cidadãos chineses e sua classe dirigente - em termos crus, abrir mão da liberdade política pelo crescimento econômico sustentado e a redução da pobreza.

Nossa análise aponta para outro fator importante. A taxa de crescimento mais baixa da China nos próximos anos estará associada a uma nova transição da excessiva dependência da demanda externa para um modelo de crescimento mais equilibrado. Isso tem a vantagem adicional de aliviar algumas tensões associadas aos desequilíbrios globais.

É dispensável dizer que nada disso é automático. A China pode tropeçar feio se seus líderes não conseguirem manter a tradição de muitas décadas de implementar correções de meio de percurso à medida que as circunstâncias evoluem, um padrão de comportamento que permitiu que o país mantivesse e consolidasse seu sucesso apesar da significativa fluidez global.

O caminho da China também pode ser barrado pelas ações de outros países, especialmente se o Ocidente se inclinar para o protecionismo por conta do crescimento persistentemente lento e o desemprego alto. As coisas podem ficar mais interessantes se Romney vencer as eleições e cumprir a ameaça de rotular a China como 'manipuladora de moeda'. As implicações para o Brasil são claras. A abordagem tanto das empresas como do governo de continuar a se posicionar contando com uma China bem-sucedida faz sentido. Mas não deve ser adotada cegamente.

Uma estratégia que funcionou bem nos últimos anos, e beneficiou milhões de brasileiros, continuará sendo relevante, mas, ainda assim, tornar-se-á menos importante no futuro. Todos os segmentos da sociedade brasileira fariam bem em continuar diversificando suas fontes de crescimento da renda. O potencial do Brasil é importante demais para ficar refém de um único tema de prosperidade. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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