MPPE lança Núcleo DHANA para articular ações em prol da segurança alimentar no Estado e nos municípios pernambucanos

Antônio Assis
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Atento ao seu papel de indutor de políticas públicas e de instituição garantidora dos direitos fundamentais, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) lançou, na manhã da sexta-feira (30 de julho), o Núcleo de Direito Humano à Alimentação Humana e Nutrição Adequadas Josué de Castro (Núcleo DHANA). O lançamento foi realizado através de uma videochamada com a participação de integrantes do Núcleo, pesquisadores, professores universitários e representantes de organizações da sociedade civil.

O Núcleo prevê, como primeira iniciativa de seu plano de trabalho, estimular a atuação dos membros do MPPE para buscar, junto aos gestores municipais, a criação e /ou consolidação dos Conselhos Municipais de Segurança Alimentar (Comseas), de modo a assegurar que o poder público materialize ações, programas e serviços para reduzir a insegurança alimentar entre cidadãos e cidadãs.

"Ouvimos, no nosso encontro virtual, palestrantes que atuam há mais de duas décadas com essa temática e ela continua atual, porque, de maneira alarmante, o Brasil retornou ao mapa da fome. Este Núcleo surge da necessidade de pensarmos em uma atuação conjunta do MPPE para responder a esse flagelo que atinge o nosso estado e o nosso país", ressaltou o coordenador do Núcleo DHANA, promotor de Justiça Westei Conde.

Já a promotora de Justiça Maísa Melo, também integrante do Núcleo, reforçou a necessidade de se compreender de forma ampla o direito à alimentação e nutrição adequadas quando da criação e aplicação das políticas públicas.

"Na Promotoria de Olinda, onde eu atuo, essa temática foi puxada inicialmente pela Infância e Juventude, até porque qualquer situação de vulnerabilidade é mais rapidamente percebida nas crianças e nos adolescentes. E nós, promotoras da Cidadania de Olinda, abraçamos essa temática e estamos trabalhando em conjunto para cobrar do município essa efetivação da política pública. Temos outros exemplos interessantes, em outras cidades, e queremos levar isso para o Estado inteiro", complementou.

Já o procurador-geral de Justiça, Paulo Augusto Freitas, ressaltou que a preocupação com a fome, agravada pela pandemia e pela crise econômica, é uma prioridade da sociedade pernambucana. "A semente que está sendo plantada pelo Núcleo DHANA Josué de Castro é motivo de orgulho para o MPPE e para Pernambuco. Acreditamos que com muito diálogo e integração de todos os atores institucionais e sociais conseguiremos avançar nesse grande desafio ora assumido pelo MPPE, em prol do direito humano à alimentação", afirmou.

Exclusão social e desmonte das políticas públicas são os principais causadores da fome no Brasil — o professor Flávio Valente (Universidade Federal de Pernambuco) trouxe dados que explicam como o Brasil falhou em garantir a segurança alimentar da sua população.

Segundo ele, há uma ligação entre a fome e a proporção de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza; em ambos os casos, o Brasil viu, a partir de 2014, uma reversão no movimento de queda da pobreza e da fome. Nos últimos anos, o risco de insegurança alimentar passou a atingir metade da população brasileira; desse número, cerca de 19 milhões estão em situação de insegurança alimentar grave, ou seja, passam fome.

De acordo com Valente, por um lado o Brasil convive com as causas estruturais da fome, que são a exclusão social, a concentração de riqueza e propriedade e o racismo estrutural, que sempre condenaram parcela significativa dos brasileiros -em sua famílias negras, chefiadas por mulheres do Norte e Nordeste, com baixo grau de escolaridade e de renda - à fome; por outro lado, o desmonte de políticas públicas vivenciado nos últimos anos, por meio do fechamento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e de cortes orçamentários da ordem de 90% que dizimaram programas sociais voltados à produção de alimentos e à agricultura familiar, intensificou ainda mais as desigualdades.

"A fome causa efeitos duradouros nos indivíduos e na sociedade. Ela aumenta a mortalidade infantil, reforça distúrbios de saúde e é o principal elemento do ciclo de reprodução intergeracional da pobreza. Por esse motivo, diversos documentos legais nacionais e internacionais estabelecem ser uma obrigação do Estado implementar ações para evitar a insegurança alimentar. Infelizmente, o Brasil está violando suas obrigações", apontou o pesquisador.

Ao fim da sua explanação, Flávio Valente sugeriu que o MPPE firme parceria com a UFPE para identificar violações do direito humano à alimentação, receber e analisar os casos e cobrar iniciativas do poder público. Ele também se colocou à disposição para o trabalho de informar a população sobre os seus direitos e como os cidadãos devem cobrar os agentes públicos.

Participação popular como caminho — já a professora Elisabetta Recine (Universidade de Brasília) celebrou a criação do Núcleo DHANA como uma "ferramenta à disposição da sociedade pernambucana e brasileira para resistir à catástrofe da pobreza e da cidadania no Brasil".

Segundo ela, a insegurança alimentar mostrada pelos dados expressa a desigualdade no Brasil e o único caminho para resistir é assegurar a participação social na elaboração e execução das políticas públicas. Por esse motivo, ela defendeu a ativação de Conselhos de Segurança Alimentar que funcionem não apenas como espaços vazios, mas como locais da real manifestação popular.

A mesma proposta foi defendida por Miriam Balestro (Unisinos), que apontou a ameaça ao direito humano à alimentação como reflexo do retrocesso democrático dos últimos anos. "O controle social nas políticas públicas é um elemento relevante que pode ser canalizado pelo Ministério Público na defesa dos Direitos Humanos. E nesse ponto, do direito humano à alimentação, o MPPE se coloca como o primeiro do país a puxar a discussão", alertou.

Defesa da agricultura familiar — Valéria Burity, da Fian Brasil, destacou que a promoção do direito humano à alimentação e nutrição adequadas parte do entendimento de todo o processo de produção e consumo dos alimentos. Partindo dessa perspectiva, ela afirmou que o modo de produção de alimentos vigente no Brasil afeta o meio ambiente, os agricultores familiares, comunidades tradicionais e a saúde dos cidadãos. "Para que as políticas públicas contemplem as soluções necessárias, temos que ouvir as mulheres negras, os indígenas, agricultores familiares", ressaltou.

O representante da Comissão Pastoral da Terra, Plácido Júnior, apresentou o caso da cidade de Jaqueira, na Mata Sul do Estado. Segundo ele, na localidade mais de 1.200 famílias estão mobilizadas em defesa do seu direito de cultivar as terras onde vivem sob ameaça de despejo por causa de conflitos agrários. "As empresas que estão tentando tirar os posseiros da região destruíram vários hectares de plantio. Em um país onde as pessoas passam fome, isso é um crime grave", denunciou.

Já Sávia Barbosa, do Fórum de Mulheres de Pernambuco, defendeu o papel da agricultura familiar no combate à fome. Segundo ela, as pequenas propriedades produzem gêneros alimentícios variados, com o apoio técnico de organizações não-governamentais e instituições de ensino.

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