Mortos muito vivos

Antônio Assis
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Ruy Castro 
Folha de S.Paulo

Texto delicioso da repórter Anna Virginia Balloussier, "A morte lhe cai bem", na "Ilustríssima" (26/2), conta como os jornais preparam de antemão os obituários de pessoas de certa idade, de saúde instável ou cujas profissões os ponham em perigo, para não serem surpreendidos quando uma delas apanha o chapéu. O "New York Times", por exemplo, cuja seção de obituários vem desde 1851, é um cemitério de vivos. Mas até ele pode se apressar. Vide o caso do bilionário David Rockefeller, hoje com 101 anos. Seu obituário já foi escrito cinco vezes — e ele enterrou seus cinco obituaristas.

Certa vez, num artigo para uma revista de avião, precisei citar o imperador Hirohito, do Japão. Ele estava com 87 anos, muito doente, e esperava-se sua morte a qualquer momento. Como as revistas são feitas com meses de antecedência, convenci o editor de que podíamos dá-lo como morto. Isso foi em setembro de 1988. Os dias, semanas e meses se passaram, e Hirohito, nada. Só morreu em janeiro de 1989 — na exata semana em que a revista chegou às aeronaves.

Pouco antes, em 1987, a Folha me pedira o obituário de Dercy Gonçalves, talvez imaginando que, aos 82 anos, ela estivesse pela bola sete. Eu sabia que, dali a dias, Dercy iria estrear uma temporada no Canecão, sinal de que devia estar em forma. Mas, sabe-se lá? Escrevi o texto. Pois Dercy só iria morrer em 2008 — 21 anos depois.

Outro dia, caiu-me aos olhos um artigo meu, de 2000, para uma revista mensal, em que declarei que o ex-craque Maradona vivia a crônica de uma morte anunciada. De fato, tudo indicava que, arrogante, prepotente e entupido de cocaína, ele não duraria muito. Mas Maradona parou com tudo, recuperou-se e está até hoje por aí.

Eu, sim, é que, por outros motivos e sem avisar, quase fui embora várias vezes nesses 17 anos.

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