Na Feira de Caruaru, os cordéis não são mais vendidos pregados em barbantes, mas a tradição tem se reinventado a cada dia, a partir de novos temas.Foto: Ingrid Cordeiro / NE10
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Ingrid Cordeiro
A literatura de cordel tem suas raízes nordestinas nas feiras e no interior pernambucano. Nesta segunda-feira (1º) comemora-se o Dia do Poeta de Literatura de Cordel, ou seja, do cordelista. Mas uma arte como esta, que passou anos e anos entre gerações, tem sobrevivido com a ascensão da internet? E há uma renovação do cordel no sentido de temas e novos cordelistas?

NE10: como teve início sua relação com o cordel? Isabelly Moreira: Por ser de São José do Egito, não foi difícil me identificar com a poesia que é tão disseminada no Sertão do Pajeú. Meu avô sempre falava de histórias de cordéis, contava de algumas que ele tinha lido nos livrinhos quando era criança. Então, isso tudo sempre esteve presente na minha vida. Eu convivi muito tempo com as figuras poéticas do Pajeú, mas o meu contato artístico veio despontar quando inventei de declamar versos de outros poetas. Com o tempo, passei a escrever versos meus e o engraçado é que no meu primeiro cordel eu não tinha o intuito de fazer no modelo dessa literatura. Eu tinha escrito o poema para declamar, mas um grande amigo meu de Arcoverde levou uma caixa com meus versos em forma de cordéis organizados e xilogravados por ele. Logo, não foi nem uma provocação minha, mas um presente.
NE10: Qual a sua relação com o cordel voltado para as crianças?
Isabelly Moreira: Eu desenvolvi um projeto infantil que surgiu após uma conversa com professores. Eles diziam que tinham dificuldade de trabalhar a cultura popular em sala de aula, porque não encontravam muito material além das lendas e as figuras do nosso folclore. Pensando nisso, escrevi alguns cordéis infantis como por exemplo o “Oxente, Cinderela” que trás uma linguística diferente, mais coloquial, contando a história de uma Cinderela que vive no sítio e em vez de perder o sapato de cristal, perde um sapato de couro, entre outras coisas. Assim, o cordel mostra elementos do nosso cotidiano regional, sem perder a brincadeira dos contos de fada.
NE10: O cordel ainda está presente na realidade nordestina ou perdeu o sentido com as novas tecnologias?
Isabelly Moreira: Do ponto de vista histórico, o cordel já foi mais presente nas famílias e rodas de conversa, porque ele funcionava como um impresso onde se divulgava histórias fictícias ou não de região para região. Mas, hoje o cordel não tem tanto esse intuito, pois estamos nessa ponte entre analógico e digital. Nos dias atuais, nós temos essa praticidade de encontrar livros e poesias no mundo digital. Para mim, o cordel perde um pouco esse contexto nômade da circulação da próprio desse tipo de literatura.
"As mídias digitais impulsionam de certa forma a informação para uma geração que não tinha tido um contato íntimo com a literatura de cordel", diz Isabelly.
NE10: Então a internet pode ser considerada uma vilã da literatura de cordel?
Isabelly Moreira: A mesma tecnologia que inibe essa circulação física de cordéis, incentiva a leitura, porque você pode pesquisar na internet algum poeta e vai sair uma leva de coisas, até a história do cordel vai aparecer. Fotos de folhetos de cordel que a gente nem encontra mais, cordéis que são populares e xilogravuras também podem ser encontrados na internet. Logo, eu acredito que as mídias digitais também impulsionam de certa forma a informação para uma geração que não tinha tido um contato íntimo com a literatura de cordel como as gerações passadas. Mesmo fazendo parte dessa nova geração, tive sorte de nascer numa família que gosta de poesia popular.
NE10: O cordel perdeu sua identidade com o mundo digital?
Isabelly Moreira: Com o avanço dos tempos, o cordel fatalmente muda e cresce, mas ele não perde a identidade com isso e nem o prestígio. Podemos citar como exemplo a própria xilogravura, componente primordial do cordel, que antes era talhada na madeira, mas hoje é um estilo próprio e as pessoas já fazem o desenho em papel mesmo. O cordel pode estar de forma diferente, mas nem por isso ele morre, porque cordel é literatura, é poesia, é arte e enquanto existir vida, a arte não morre.