Quando o primeiro assédio é abuso sexual?

Antônio Assis
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Folha-PE

Quando o primeiro assédio é abuso sexual? Alguns relatos na campanha #meuprimeiroassédio, que fizeram parte dos trending topics do Twitter e do Facebook no final de 2015, chocaram pela brutalidade dos opressores. Mais um Dia Internacional da Mulher é celebrado nesta terça-feira (8 de Março). Mais um dia para lembrar que crianças, em especial meninas, são violentadas por pedófilos no País, mas que muitas permanecem em silêncio, amedrontadas por estarem sendo violadas e sem saber sequer do que se trata.

“Meu pai foi transferido para Natal (RN). Quando viemos morar aqui ficamos deslumbrados com tamanha liberdade. Em São Paulo, eu não podia brincar na rua, pois os casos de sequestros eram gritantes. No lugar onde eu morava, tinha uma turma muito boa e unida. Assim, eles acabaram me dando certa liberdade. Então, comecei a sair e brincar, mas era uma criança ingênua como qualquer outra, e ainda não tinha nenhuma experiência de rua”. É assim que a enfermeira Shimene Scheid, 27 anos, começa a contar essa parte tão difícil da sua história.

A primeira vez que a contou o que sofreu publicamente foi na campanha #meuprimeiroassédio. Um ato de coragem e, acima de tudo, uma forma de encorajar outras mulheres a seguirem o exemplo dela. Shimene buscou a Justiça. O processo corre em sigilo. Aos 8 anos de Idade, um vizinho se aproveitou da amizade que tinha com o pai dela para abusá-la sexualmente durante um ano e meio. Como ocorre com muitas vítimas infantis, ameaças foram usadas para que houvesse silêncio. Silêncio que gritou dentro da alma dela por quase 20 anos.

Ela chegou a ser alertada pelos amigos. “Diziam que ele era ruim e que fazia coisas ruins, mas eu não conseguia entender muito bem. As pessoas nunca falavam com clareza e eu, até então, não tinha noção de sexualidade”, relata. “Ele era pai de um amigo meu. Sempre agradava todo mundo com brincadeiras, balas, doces, atenção”, explica. Como todo predador, ele sabia envolver uma criança.

“Um dia ele me pediu para ir até lá dentro (da casa) pegar algum brinquedo com ele”, continua Shimene, que lembra com detalhes o que teve que suportar. “Quando eu entrei no quarto, ele me pediu para olhar pela janela, para ver se a cachorra estava ali. Enquanto eu olhava, sem que eu percebesse, ele trancou a porta. Em seguida, me pegou no colo e ficou me beijando e mexendo na minha vagina. Eu entrei em pânico, mas não tinha muita noção do que estava acontecendo, só sabia que aquilo era incômodo”.

“Acabou que alguém fez algum barulho lá fora, e ele abriu a porta para olhar. Eu consegui sair. Ele me puxou pelo braço e disse que se eu contasse para alguém, ele ia matar meu pai e que, se eu não voltasse lá diariamente, faria o mesmo com meu irmão, que era meu protegido por ter apenas 4 anos”, explica. Com medo, ela voltou. Quase todos os dias. Os abusos foram aumentando. “Penetrações com o dedo dele - nunca com o pênis. Embora tenha visto ele se masturbar. Me machucava no anus e sempre me beijando”. A violência só parou quando a família se mudou.

De acordo com o Mapa da Violência, divulgado em 2015, das 223.796 pessoas vítimas de diversos tipos de violência que foram atendidas pelo Sinan, 147.691 foram mulheres que precisaram de atenção médica por violências domésticas, sexuais e/ou outras. Os dados são de 2014. Ainda conforme a pesquisa, a maior taxa de atendimento está registrada entre os 12 e 17 anos de idade.

Outras vítimas

Como ocorre em casos de abusos sexuais contra crianças e adolescentes, outras vítimas surgem. Os filhos e enteados do abusador também foram suas vítimas. “Após eu postar #meuprimeiroassédio, fui procurada pelos filhos e enteados dele, que me confessaram ter passado pela mesma situação a vida inteira. Eles identificaram cada detalhe na minha postagem e choraram muito quando vieram conversar comigo. Eles não denunciaram, mas eu os citei no processo”.

Lei Joana Maranhão

A Lei nº 12.650/2012, de 17 de maio de 2012, mais conhecida como Lei Joana Maranhão, altera o Código Penal para que a contagem do prazo de prescrição em crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes seja contado a partir do momento em que a vítima completa 18 anos de idade, salvo se a ação penal já estiver em andamento anteriormente. Shimene teve conhecimento da norma após ler uma matéria com a nadadora pernambucana, que foi violentada durante a infância.

“A história de Joana Maranhão me encorajou demais”, afirma Shimene, que procurou uma Delegacia. O depoimento dela à Justiça foi dado no último dia 2 de dezembro. O processo corre em sigilo, para proteção da vítima.

“Quando você não tem como provar, o processo é bem mais lento. Mas, essa lei veio para nos encorajar. Quando você é criança e é abusada e ameaçada, você não buscará ajuda. Às vezes, você não tem nem noção da gravidade do que está acontecendo”, explica. O abusador não compareceu para depor, mesmo após intimado. Ele alegou problemas de Saúde. As outras vítimas também tiveram que prestar esclarecimentos.

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