Carol Brito
Folha de Pernambuco
Uma Nação afetada por uma forte crise econômica, abalada por sucessivos escândalos de corrupção e devastada pelos efeitos de uma megaoperação judicial. O cenário que poderia facilmente retratar o atual momento brasileiro tem paralelo direto com a situação da Itália no início dos anos 90.
A semelhança não é mero acaso. Em 2004, um anônimo juiz federal de Curitiba chamado Sérgio Moro escrevia um artigo baseado na Operação Mani Pulite (ou Mãos Limpas), conduzida pelo juiz Giovane Falcone, que desmantelou um esquema de corrupção na Itália. O texto revela muitos dos métodos que foram adotados pelo magistrado no comando da Operação Lava Jato, maior investigação sobre corrupção brasileira, dez anos depois.
A experiência italiana mostra que os resultados da ofensiva judiciária não resultarão, necessariamente, em uma limpeza ética e institucional. A longo prazo, o futuro pode trazer políticos corruptos com métodos ainda mais aprimorados e sofisticados para escapar da Justiça.
Os efeitos da Mãos Limpas na política italiana foram implacáveis: 2.993 mandados de prisão expedidos e 6.059 pessoas sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro foram primeiros-ministros. A política da época foi virada de cabeça para baixo, provocando pífios resultados eleitorais aos principais partidos, após a operação.
Lideranças foram varridas da vida pública e partidos extintos. O Partido Socialista, principal representante da esquerda, obteve somente 2,2% dos votos e o Democracia Cristão, apenas 11,1% dos votos. Nenhum deles conseguiu interpretar a insatisfação da população italiana que clamava por justiça.
O cargo de primeiro-ministro acabou ficando nas mãos do magnata Silvio Berlusconi, que aproveitou o vácuo político de lideranças e projetos. À época, ele criou o Forza Itália. Para concretizar sua candidatura, aliou-se a movimentos neofascistas do Movimento Social Italiano, que virou Aliança Nacional, e a Liga Norte de Umberto Bossi. Ironicamente, o novo premiê figurava como um dos investigados por suborno e sonegação. Também era amigo do líder do Partido Socialista, Bettino Craxi, um dos principais alvos da Mãos Limpas, que acabou se exilando na Tunísia.
Com um governo marcado por escândalos de corrupção e até mesmo sexuais, Berlusconi renunciou em 2011, com a menor popularidade da história e o País mergulhado em uma nova crise econômica.
A Lava Jato apresenta números tão expressivos quanto os da Itália. Até agora, foram 1.114 procedimentos para investigação, 49 delações premiadas, 93 condenações e 133 mandados de prisão cumpridos em 24 fases. Os alvos incluem os executivos de algumas das principais empresas do País, políticos, empresários e doleiros.
O desfecho da megainvestigação brasileira ainda é desconhecido, como é imprevísivel o futuro político do País, após o fim das investigações. Em uma encruzilhada, ainda se espera por respostas para juntar os cacos de uma Nação esfacelada.
AFP Photo/Nelson Almeida
Juiz segue premissa italiana: expor dados para ter apoio
Estratégia prevê apoio da mídia
Para conquistar o apelo popular, a estratégia adotada foi o uso dos veículos de imprensa para vazar informações sobre os processos judiciais e manter a população em constante mobilização. Dessa forma, o interesse popular no esquema de corrupção não arrefece, aumentando a pressão da sociedade e encurralando as lideranças envolvidas nos esquemas de corrupção. A reação da massa diante do fluxo constante de notícas também é incisiva para conter as tentativas de obstrução do trabalho dos magistrados nos bastidores da disputa de poder.
O próprio Moro foi alvo de tentativas de afastá-lo das investigações com argumentos de imparcialidade. Recentemente, o magistrado divulgou áudios de conversas grampeadas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após o petista ser anunciado como ministro da Casa Civil. Com a publicidade dada às gravações, protestos se espalharam por todo o País. Em seu artigo, Moro chegou a criticar a concessão de foro privilegiado que, segundo ele, serve de “pretexto” para proteger autoridades políticas.
“Não é um juiz que vai resolver a crise política. Talvez por ser jovem, ele acredita que a postura paladina consegue derrubar toda uma estrutura sociológica histórica e estrutural. Não se combate a corrupção pelo Judiciário e nem nas ruas. A corrupção é sistemática”, avalia o cientista político Rudá Ricci. Segundo ele, o combate à corrupção é feito com controle social, transparência pública e redução da desigualdade social.
O próprio juiz Sérgio Moro admite, em seu artigo, as limitações da Operação Mãos Limpas no combate a corrupção a longo prazo. Ele cita a eleição do primeiro ministro Silvio Berlusconi como um paradoxo deixado pelas investigações. “Não deixa ainda de ser um símbolo das limitações da Operação Mani Pulite o cenário atual da política italiana”, confessa. Para o jurista Emílio Duarte, é preciso cautela para o País não seguir os passos dos italianos. “Temos que ter cuidado. A palavra de ordem é serenidade para não aparecer um novo Berlusconi”, avaliou.