CONSELHOS DE ULYSSES PARA OS POLÍTICOS - VANDECK SANTIAGO

Antônio Assis
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Diário de Pernambuco

Na política, dizia Ulysses Guimarães, se você não pode fazer um amigo, não faça um inimigo. Este guarda o ódio na geladeira, e no momento oportuno terá prazer em fazer uso dele. E sempre haverá um momento desses porque – como dizia Ulysses e sabem todos que fazem parte dela – “a política dá voltas”.

Os dias de hoje são propícios a lembrar o dr. Ulysses – pelo seu exemplo de honradez, mas também pela sabedoria política de que era possuidor. Numa entrevista publicada em 1979 na revista Status (hoje extinta), concedida a Fernando Morais (atualmente um escritor consagrado), Ulysses Guimarães formulou seis conselhos para os políticos. Vistos hoje, 36 anos depois, têm surpreendente atualidade. Leiam e digam se não tenho razão (o texto sob aspas é todo de Ulysses):“Primeiro: Não sejam impacientes. A impaciência é uma das faces da estupidez. Eu entendo que quem está na vida política não pode ganhar uma categoria histórica do dia para a noite. O caminho é longo, paciente, perseverante, difícil. Não pode haver afoiteza, impaciência. A impaciência não acaba só com carreiras futebolísticas.

Segundo: Na política, em geral, e especialmente no poder, se você não pode fazer um amigo, não faça um inimigo. O inimigo guarda o ódio na geladeira, para conservar. O inimigo, numa eleição, amanhece na boca da urna dizendo que a mãe do candidato não é honesta. É importante não ter inimigos pessoais. Pode-se ter adversários ferrenhos, como eu próprio tive o Adauto Lúcio Cardoso, o Carlos Lacerda, o Bilac Pinto. E aqui eu recordo um conselho do Perón a Isabelita, prevendo que ela assumiria a presidência da Argentina: “Minha filha, em política você fale muito sobre coisas, pouco sobre pessoas e nunca sobre você”. A “coisa” aí é a coisa pública, a tese.

Terceiro: Em política nunca se deve proferir as palavras irreparáveis, irretratáveis. Outro episódio curioso, ocorrido com o senador César Lacerda Vergueiro. Ele tinha sido um grande amigo do Ademar, mas teve com este uma desavença séria. E passou a dizer horrores do Ademar, até da vida pessoal do Ademar. As pessoas iam aconselhá-lo, lembrando que um dia eles poderiam reconciliar-se e que aquilo ficaria mal. Ele respondia: 
“Nunca. Entre mim e o Ademar está o túmulo da minha mãe”. Porque ele atribuía a morte da mãe, velhinha, às perseguições que o Ademar lhe impusera. Mas a política dá voltas: o Ademar convida o César para ser seu secretário de Justiça, e ele aceita. Como você vê, nas coisas da política, nem o túmulo da mãe é algo intransponível.

Quarto: Em política você nunca deve estar tão próximo que amanhã não possa ser adversário ou inimigo. E nem tão distante que amanhã você fique em dificuldade por ter que estar próximo. Pensando que está fazendo alianças definitivas ou perenes, a pessoa faz desabafos, até pessoais, familiares. Que um dia, conforme o interlocutor, poderão ser usados contra quem falou. O Carlos Lacerda costumava dizer, quando chegava a não sei quantos copos de vinho ou de uísque: ‘Não me contem segredos, eu peço a vocês, porque eu não guardo segredo de ninguém. Estão advertidos’.

Quinto: É preciso saber a arte de escutar. Escutar dá até enfarte, dá úlcera. É preciso ter muita paciência para escutar pessoas que se acham os reinventores da roda, da quadratura do círculo, mas você tem que escutar. Um neófito em política foi procurar o grande Sarmiento, o argentino que foi um dos maiores estadistas da América Latina, para saber qual era o segredo do bom comportamento político. Sarmiento lhe disse: “Comase la lengua!” É isso, coma a própria língua… O rei Faiçal da Arábia Saudita dizia que Deus deu ao homem dois ouvidos e uma só boca para ouvir o dobro e falar a metade.

Sexto: A grande arma de qualquer bom político é o trabalho. O esforço, a perseverança, o trabalho, constroem uma carreira. Porque só se vê o desempenho de um político na tribuna, na comissão, mas não se vê o background, o esforço que isso demandou. O desempenho é apenas a ponta do iceberg, mas o que afunda o navio são os dois terços que estão submersos, não o que está à vista. Um grande professor francês me dizia que “l’arte d’improviser est n’improviser jamais” – a arte de improvisar é nunca improvisar. O Mangabeira, por exemplo, que foi um grande orador.
Diziam até que ele compunha, frente a um espelho, sua presença perante a tribuna. Um bom orador precisa até saber falar pelos silêncios num discurso, como faz o Brossard. Eu próprio costumo dizer que eu tenho estrela – está certo que fui muito ajudado pelos amigos e pelos acontecimentos, mas eu vivo passando Kaol na minha estrela. Sou madrugador, levanto cedo, trabalho muito”.

Ulysses Guimarães foi deputado federal por 11 mandatos consecutivos, de 1951 a 1995. Elegeu-se presidente da Câmara de Deputados por três vezes. Foi o grande nome da campanha pelas Eleições Diretas, em 1984, a ponto de ganhar o nome de “Senhor Diretas”. Presidiu a Assembleia Nacional Constituinte, 1987-1988, e teve papel decisivo na formulação da nova Constituição, promulgada em 5 de outubro de 1988. Morreu em um acidente de helicóptero em 12 de outubro de 1992.

O que ele disse tem validade para todos os que vivem na política. Mas creio que deveria ser escutado sobretudo pelos que fazem do ódio sua principal bandeira de ação.

Foto: Jefferson Pinheiro/CB/D.A. Press

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