AFP
Há 70 anos, o relógio marcava 08h15 daquele 6 de agosto de 1945 (23H15 de 5 de agosto em Brasília), quando um bombardeiro Boeing B-29 chamado Enola Gay jogou sobre Hiroshima a bomba de urânio batizada de Little Boy, com carga destruidora equivalente a 16 quilotoneladas de TNT. Apenas 43 segundos depois, quando se encontrava a 600 metros do solo, uma bola de fogo abrasador explodiu a um milhão de graus centígrados, arrasando quase tudo que estava ao seu redor. Os prédios de pedra sobreviveram às altas temperaturas, mas ficaram impressos, como um negativo fotográfico, pelas sombras das coisas e pessoas carbonizadas a sua frente.
A onda de choque inicial gerou rajadas de 1,5 quilômetro por segundo que arrastaram com força os escombros e arrancaram em sua passagem membros e órgãos humanos, antes de voltar à zona zero. O número de mortos é estimado em 140 mil, no momento do impacto e posteriormente por efeito da radiação. "Foi um clarão branco prateado", recorda Sunao Tsuboi, de 90 anos, falando do momento exato em que os Estados Unidos lançaram a maior arma de destruição em massa já construída. "Não sei por que sobrevivi e vivi tanto tempo", acrescenta, dizendo ser doloroso recordar aquele dia.
Museu de paz e memória de Hiroshima/AFP
Tsuboi, então um estudante universitário, se encontrava a 1,2 km do epicentro quando a explosão aconteceu. Ao voltar a si, sua camisa, calças e pele estavam coladas a seu corpo, onde as feridas abertas deixavam os vasos sanguíneos expostos, enquanto parte de suas orelhas haviam desaparecido. Ele estava coberto com sangue e queimaduras. Ele recorda de ter visto uma adolescente com o olho direito colado ao rosto. Perto dali, uma tentava em vão colocar seus intestinos dentro de seu próprio corpo.
"Havia cadáveres por todas as partes, alguns sem pedaços, todos carbonizados", recorda o sobrevivente. "Nós somos mesmo humanos?", questiona, por fim. Muitos morreriam em consequência de seus ferimentos nas horas e dias posteriores, onde caíram à espera de uma ajuda que não chegou ou de um simples gole de água.
Radiação e rejeição
A cidade de 1,2 milhão de habitantes é de novo, sete décadas depois do ataque, um próspero centro comercial, mas as cicatrizes dos bombardeios, tanto físicas quanto emocionais, ainda não desapareceram. Os sobreviventes ainda tiveram de enfrentar uma série de doenças provocadas pela radiação: sangramentos, queda de dentes e cabelo, câncer, nascimentos prematuros, bebês com deformações e mortes repentinas e inexplicáveis. E, além disso, a rejeição de seus compatriotas, que temiam sofrer contaminação. Durante muitos anos, alguns tiveram problemas para trabalhar ou casar. Inclusive, muitos dos chamados "hibakusha" (sobreviventes nucleares) não falavam abertamente de sua experiência por medo da discriminação.
O prefeito de Hiroshima, Kazumi Matsui, de 62 anos, cuja mãe sobreviveu à bomba, assegura que sabe por experiência como "uma única bomba mudou a vida de milhares de pessoas". Três dias depois de Hiroshima, o exército americano lançou uma bomba de plutônio na cidade portuária de Nagasaki, matando mais 74.000 personas. E, poucos dias depois, em 15 de agosto de 1945, o Japão se rendeu, pondo fim à guerra do Pacífico e, portanto, à Segunda Guerra Mundial.
Os partidários dos dois ataques defendem que, apesar de o número de vítimas ter sido elevado, a ação serviu para salvar milhões de vidas, ao evitar uma invasão terrestre. Mas a terrível destruição gerada pelas bombas nucleares provocaram uma curiosa mudança de percepção da história em relação ao Japão, cuja agressão expansionista foi uma das causas da guerra do Pacífico. "Quando se fala de Hiroshima e Nagasaki, os japoneses têm a tendência de se identificar como vítimas do conflito global", afirma Masafumi Takubo, um especialista nuclear japonês.
Kazuhiro Nogi/AFP
Mundo sem armas nucleares
Os líderes políticos das cidades reconstruídas de Hiroshima e Nagasaki fazem campanha por um mundo sem armas nucleares, um papel que Frank von Hippel, especialista em armas nucleares e professor emérito da Universidade de Princeton, considera vital. "Percorremos um longo caminho. Não podemos desistir do desarmamento nuclear", afirma Von Hippel, um ex-funcionário da Casa Branca, para quem um "tabu global" sobre o uso de bombas atômicas protegeu o mundo desde Nagasaki.
Tsuboi espera, por sua parte, a visita algum dia dos líderes mundiais, entre eles o presidente dos Estados Unidos em exercício, para que saibam como foi a vida sob o cogumelo nuclear. Este sobrevivente nonagenário não quer pedidos de desculpas, quer apenas assegurar-se de que algo igual não volte a acontecer. "Não devemos nos esquecer jamais", enfatiza.