Dois rios + uma cidade = infinita paixão

Antônio Assis
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Juliana Cavalcanti
Diario de Pernambuco


Se os rios que cortam o Recife são inspiração para poetas de várias gerações, as histórias que Liliana conta no passeio de barco por entre os edifícios históricos e por baixo das pontes centenárias fazem jus aos versos e ao desejo de uma cidade mais humanizada. Das histórias narradas por ela, das pesquisas para informar quem se junta a ela no Catamarã Veneza, cresceu um amor pelo Recife que a fez encampar algumas lutas por melhorias no Centro.


O início foi há 13 anos, a partir de uma dor: a morte repentina do marido que tanto gostava de navegar. A continuidade do projeto, mesmo depois de recolher seu próprio barco, o Maurício de Nassau, veio do amor pela cidade e da alegria de conhecer gente diferente. “As águas de Paulo eram as do mar; as minhas são o Capibaribe. Durante anos ele ia velejar e eu o esperava no Marco Zero, embaixo de uma grande árvore que havia ali. O sonho dele era dar a volta ao mundo num veleiro. Ele partiu sem realizar este sonho”.



Depois de 11 anos no Maurício de Nassau e dos passeios que fizeram a fama do catamarã, Liliana resolveu ancorar o barco, cansada da administração do que chama de 3 Ms: marinheiro, mecânico e motor. Pouco tempo depois foi chamada a guiar o passeio no Catamarã Veneza. Sem as preocupações técnicas e burocráticas, faz o que mais gosta: contar histórias e recitar versos sobre o Recife, navegando o Capibaribe e o Beberibe.



Neta do cineasta italiano Ugo Falangola – autor do documentário Veneza americana (1925), sobre o Recife - Liliana se inspirou nas viagens que fez na Europa para roteirizar o seu próprio passeio. “Muita coisa eu fui pesquisar a partir das perguntas que me faziam no barco. As informações sobre o Parque das Esculturas eu ouvi de Francisco Brennand. Olhando o Recife da perspectiva do rio, a gente vê uma cidade que não existe mais. Muita coisa mudou.”



A vida do comércio do Centro, o auge do Cinema São Luiz, as lojas, as casas de chá e confeitarias frequentadas antes de surgirem os shoppings formam um passado hoje distante. Liliana lamenta a degradação dos locais que mostra com tanto orgulho. Pontuando as histórias, surgem poemas e músicas de artistas que se inspiraram no Recife. Renato Carneiro de Campos, Manuel Bandeira, Augusto dos Anjos, Capiba inspiram o navegar suave da embarcação.



A falta de manutenção do Parque de Esculturas de Francisco Brennand; a pintura gasta do casario da Aurora; a estátua de Capiba um pouco perdida em frente aos Correios; e o abandono da Cruz do Patrão. São algumas das bandeiras que carrega.


“Homenagear Capiba seria colocar a estátua na Av. Rio Branco, em frente ao Banco do
Brasil, onde ele trabalhou por mais de 40 anos. Em frente aos Correios até roupas estendem em cima”, lamenta. Para a Cruz do Patrão - isolada em uma área arrendada pelo governo a uma empresa de pesca - Liliana propõe uma contemplação do pôr-do-sol.



O catamarã para em frente ao monumento, construído no século 18 para balizar navios que atracavam no Porto do Recife, justamente ao entardecer. Ao local onde eram feitos rituais da religião africana e possivelmente também um antigo cemitério, atualmente poucos têm acesso.



“Pouca gente sabe que daqui é possível ver um belo pôr-do-sol. Se em João Pessoa ouvem o Bolero de Ravel aqui poderíamos tocar o Bolero de Capiba, uma composição belíssima e pouco executada.”

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