Processados, fichas-sujas repassam vagas a familiares

Antônio Assis
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Flavinha Furacão, mulher de Arruda, socialite e ex-garota do tempo na TV - Agência O Globo / Givaldo Barbosa/15-2-2010

SIMONE IGLESIAS E JÚNIA GAMA
O GLOBO
BRASÍLIA — Limados pela Lei da Ficha Limpa, políticos com processos na Justiça renunciaram há cerca de dez dias e repassaram suas vagas a familiares para, assim, tentar se manter perto do poder. Flagrado recebendo dinheiro no escândalo que ficou conhecido como “mensalão do DEM”, José Roberto Arruda (PR) desistiu da candidatura ao governo do Distrito Federal e indicou a mulher, Flávia Peres Arruda, para vice. Político recordista de processos na Justiça, o candidato ao governo de Mato Grosso pelo PSD, José Riva, abandonou a disputa mas deixou a mulher, Janete, em sua vaga. Em Roraima, Neudo Campos (PP), outro campeão em ações judiciais, abandonou a disputa, mas indicou a mulher, Suely, para a vaga. Todos os que renunciaram tiveram as candidaturas impugnadas pela Justiça Eleitoral com base na Lei da Ficha Limpa. Resolveram, então, abandonar a disputa.
Esta será a primeira vez que Flávia Peres Arruda disputará uma eleição. Aos 34 anos, é socialite em Brasília. Formada em educação física, foi garota do tempo na televisão e, quando mais jovem, era conhecida pelo apelido “Flavinha Furacão”, antes de se casar com Arruda, com quem tem duas filhas. Flávia não se envolvia com política. Os dois começaram a se aproximar durante a campanha que levou Arruda ao Palácio do Buriti, em 2006. A relação do novo casal começou de forma discreta mas, aos poucos, o então governador foi assumindo sua nova companheira, e começaram a aparecer em eventos públicos no fim do primeiro ano de governo. Arruda gostava de dizer que teve de deixar o Plano Piloto — região nobre de Brasília — para buscar sua “miss em Taguatinga”.
Flávia sempre chamou a atenção pela exuberância. Em outubro de 2007, quando faleceu o ex-governador do DF José Aparecido de Oliveira, Arruda compareceu ao velório em Minas Gerais acompanhado de uma morena até então desconhecida. Flávia não passou despercebida. Estava toda vestida de branco, com calça e camisa coladas ao corpo, que acentuavam suas curvas. Cada vez mais, foi lapidando seu gosto por joias, roupas e sapatos caros. Ficaram conhecidos em Brasília episódios em que a então primeira-dama afundou na lama de uma cidade-satélite um sapatinho Dior e, em outra ocasião, surgiu com um brinco avaliado em R$ 30 mil, mais do que o salário do governador.
O mais próximo da política a que Flávia chegou foi exercendo o papel de primeira-dama. Esteve à frente da ONG Instituto Fraterna, que foi investigada por suspeita de ter despesas pagas com dinheiro de propina arrecadado com empresários que tinham contratos com o governo do DF. Nos tempos áureos, antes de estourar o mensalão do DEM, no qual Arruda foi acusado de promover um esquema de corrupção no Governo do Distrito Federal, Flávia participou ativamente da vida social brasiliense. Durante o curto tempo em que atuou como primeira-dama, era recebida com reverência pelas esposas de ricos empresários locais e, com frequência, aparecia nas colunas sociais.
Poucos meses antes de o marido ser preso, teve seu primeiro contato com o mundo carcerário. Promoveu o concurso de Miss Penitenciária em Brasília, em que detentas deixaram suas celas para desfilar pela primeira vez em uma passarela. Na ocasião, Flávia Arruda defendeu que o evento serviria à reintegração das presidiárias. “Eu acredito nos valores da pessoa humana sem abrir mão da aplicação rígida da pena, mas esse trabalho é uma oportunidade de elas reescreverem suas histórias e fazerem tudo diferente”, avaliou, na ocasião. Quando Arruda foi preso, Flávia demonstrou sua solidariedade levando marmitas para alimentação do marido.
A HERDEIRA DO DESVIO DE R$ 65,2 MILHÕES NO MATO GROSSO
Janete é mulher de João Riva - / Reprodução da intenet
Janete Riva, mulher de José Riva, também jamais concorreu. Riva é um recordista em mandatos e processos. Ele é réu em mais de cem ações judiciais por suspeita de participação em desvio de R$ 65,2 milhões dos cofres da Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Produtora rural e socialite cuiabana, Janete era secretária da Cultura do estado até abril e já teve diversos cargos públicos em governos locais. Como o marido, Janete teve passagem pela cadeia. Foi presa em duas ocasiões. A primeira delas, na Operação Jurupari, da Polícia Federal, que indiciou 93 pessoas por formação de quadrilha, desmatamento ilegal e crimes ambientais na região da Floresta Amazônica, em Mato Grosso.
Este ano, novamente, Janete acabou presa por posse ilegal de armas, durante a Operação Ararath, da PF, em que seu marido foi detido por suspeita de crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro. Foi liberada mediante pagamento de R$ 50 mil de fiança. Janete é ré em ação por suspeita de trabalho escravo na sua fazenda. Ela foi indiciada pelo Ministério Público por manter funcionários em situação análoga à escravidão.
Além da esposa, Riva pretende eleger a filha Janaína, de 25 anos, a deputada estadual, cargo que o pai ocupa há 20 anos. Ao renunciar à candidatura ao governo, José Riva anunciou aposentadoria da vida pública, mas busca deixar de herança sua cadeira para a filha. É a primeira vez que Janaína concorre. O seu marido, João Emanuel, também é envolvido em denúncias em Mato Grosso. Ele teve o mandato de vereador em Cuiabá cassado este ano, após ser preso e acusado de liderar uma quadrilha que praticava crimes de falsidade, estelionato e corrupção passiva, entre outros.
Suely Campos é casada com o deputado Neudo Campos, com extensa lista de processos - Reprodução / Agência O Globo
Suely Campos, casada com outro político de extensa ficha suja, o ex-governador Neudo Campos (PP), é mais experiente em cargos eletivos que Flávia, Janete e Janaína. Foi vice-prefeita de Boa Vista e deputada federal por um mandato. A atuação na prefeitura foi discreta. Na Câmara, integrou a CPI da Exploração Sexual, e foi acusada por parlamentares de vazar informações a um parente cruzado: o então vice-governador do Amazonas, Omar Aziz, atualmente candidato ao Senado. Suely era sogra de Murad Aziz, irmão de Omar.
O vice-governador vinha sendo acusado de explorar sexualmente meninas de 13 e 14 anos. Na CPI, Suely votou contra a inclusão de Omar Aziz no relatório final da comissão. Uma jovem prestou depoimento reservado à CPI fazendo a acusação.
Quando primeira-dama de Roraima, Suely se envolveu em escândalos do governo. O Tribunal de Contas do Estado abriu processo para apurar compras mensais consideradas exageradas para a residência oficial, tais como 70 quilos de filé mignon, 30 quilos de camarão, 30 quilos de bacalhau, entre outras iguarias. A investigação apurou que parte dos produtos era desviada para um restaurante de familiares de Suely e revendida. Ela nega. Diz que os alimentos eram doados pela residência oficial a desabrigados.

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