Filhos relembram perdas de Herzog e Rubens Paiva

Antônio Assis
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LEONARDO CAZES E THAIS BRITTO/ O Globo

‘Em nome do pai’, sobre desaparecidos políticos, reúne Marcelo Rubens Paiva e Ivo Herzog, com mediação Zuenir Ventura, na Casa de Cultura de Paraty - André Teixeira / Agência O Globo

PARATY - Marcelo Rubens Paiva e Ivo Herzog tinham praticamente a mesma idade quando perderam os pais nas garras do aparelho repressivo da ditadura militar: 11 e 9 anos, respectivamente. Os dois falaram contaram sobre a traumática experiência e suas lembranças da época para um auditório lotado na mesa "Em nome do pai", Encontros O GLOBO Especial na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), na Casa da Cultura de Paraty. A mediação foi do jornalista e escritor Zuenir Ventura, que conviveu com osdois e também relembrou momentos marcantes do período.
O escritor Marcelo Rubens Paiva é filho do deputado federal Rubens Paiva, que foi preso em casa no dia 20 de janeiro de 1971, levado primeiro para a Base Aérea do Galeão e depois para o DOI-Codi, na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, onde foi torturado e depois desapareceu. Já Ivo Herzog é filho do jornalista Vladimir Herzog, assassinado após se apresentar ao DOI-Codi do 2º Exército, em São Paulo, no dia 25 de outubro de 1975, e hoje preside um instituto que leva o nome de seu pai. Para Marcelo, os dois assassinatos e a tentativa do regime militar de encobri-los são emblemáticos das políticas da ditadura.
— Depois do golpe, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) optou por não reagir militarmente e a partir daí surgiram várias organizações de luta armada. A partir de 1968, os militares se uniram contra essas organizações. As pessoas confundem muito a ditadura como algo a luta entre grupos armados de esquerda e os militares. Mas os dois não tinham nada a ver com isso. Meu pai morava numa casa no Leblon que era ponto de encontro para as pessoas irem a praia ou jogar pôquer a noite. Ele vivia uma vida totalmente ausente da política — disse o escritor.
Ivo lembrou do momento que sua mãe, Clarice Herzog, acordou ele e o irmão, já no dia 26, para dar a notícia da morte do seu pai. Ele afirmou que foi tomado de sentimentos antagônicos já que espaços íntimos da família, como o enterro e a missa de 7º dia, foram transformados em atos políticos.
— Aquela inocência, o mundo normal de todas as crianças deixa de existir para mim na hora que a minha mãe me conta o que aconteceu. Primeiro vem o choque e depois a paz deixa de existir. Pessoas muito tensas em casa, muita emoção. Teve o velório no hospital, o enterro, a missa. No enterro, ficou gravada a lembrança da minha mãe gritando para impedir que os funcionários enterrassem o meu pai antes da minha avó chegar. Eles tinham ordens para fazer o enterro o mais rápido possível. O que eu queria era tranquilidade, me marcou muito esse processo de invasão. A minha vida se tornou outra.
Zuenir contou que Clarice também o ligou para dar a notícia e já tinha certeza de que o suposto suicídio do marido era uma farsa e da comoção durante o enterro.
— A Clarice me ligou pouco depois dizendo que tinham matado o Vlado. Ela não falou que ele tinha morrido, sabia que tinha sido morto. Tinha certeza na farsa - disse Zuenir. — No enterro, eu estava lá, lembro da Ruth Escobar perguntar: "até quando vão matar os nossos amigos em silêncio".

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