Eduardo Sol
Folha-PE

Em “1984”, o onipresente “Grande Irmão” é o rosto que representa o controle do Partido sobre a fictícia Oceânia, onde vive o antiherói Winston Smith, protagonista do romance, uma das principais distopias do século 20: a ideia de um mundo que, após os horrores da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, não poderia dar certo. Felizmente, o pior não aconteceu. A Oceânia, sempre em luta com a Eurásia e a Lestásia, surgiu após guerras nucleares, algo vivo em junho de 1949, quando o livro foi publicado. Quatro anos antes, o mundo vira o poder de bombas atômicas jogadas pelos americanos sobre o Japão, provocando o fim da guerra (o horror nazista capitulara meses antes). O enredo é simples: funcionário do Ministério da Verdade (que tem como função reescrever a história, alterando-a com mentiras) compra um diário numa loja de quinquilharias e começa a escrever o que pensa e o que se lembra, cometendo assim um grave crime: raciocinar. Conhece Júlia, uma jovem rebelde que acha que pode desafiar as normas através do sexo. Vivem um clandestino caso romântico, até serem presos e torturados no Ministério do Amor. Acabam dedurando um ao outro e transformados em medrosos cidadãos pela máquina repressora.
Orwell lutou na Guerra Civil Espanhola, desiludindo-se com a esquerda dogmática soviética. Por isso, desde cedo se atribuiu ao livro uma crítica ao stalinismo. O Grande Irmão só poderia ser Stalin, enquanto o inimigo do Partido, Goldstein, com barbicha e óculos, Trotsky, herói bolchevique que caíra em desgraça. O autor vivia às turras com o Partido Trabalhista inglês e, em 1945, publicara a poderosa novela “A Revolução dos Bichos”, fábula sobre os males do comunismo (isso antes de o mundo conhecer a real intensidade dos crimes stalinistas). Houve quem apontasse em “1984”, porém, uma crítica ao nazismo e seu ideal higienista. Orwell não teve como contribuir para o debate: doente, terminou o livro pressionado e morreu meses depois. Os ecos do que escreveu, contudo, ainda se fazem sentir; basta andarmos numa rua central, usarmos um smartphone ou, simplesmente, comprarmos um sorvete no shopping: o Grande Irmão ainda observa.
Orwell acertou:
Vigilância: Um mundo cada vez mais vigiado era o princípio que regulava a vida no romance. No caso, sempre pelas teletelas e o rosto do Grande Irmão. Com câmeras em alta resolução, as principais cidades do mundo vivem exatamente isso. Pelo menos, nos espaços públicos.
Teletelas: Finas, grandes e posicionadas nas paredes, eram pré-conceitos das TVs planas, de plasmas, LCD ou LED. Algumas, hoje, até podem não apenas ser vistas, como verem, através de conexão à internet e câmara, tal qual em “1984”.
Novafala: No romance, um idioma artificialmente criado para que as pessoas pensassem menos. Seu conceito lembra as abreviações usadas na internet.
Mas passou longe:
Totalitarismo: Embora ainda haja ditaduras, algumas bem duras, como a fechadíssima Coreia do Norte, o totalitarismo não saiu vencedor no confronto com a democracia. Até países que ainda não a têm plenamente, como o Irã, anseiam por isso.
Guerra Nuclear: Toda a situação do romance se passa após alguns confrontos nucleares, que, na época de sua publicação, 1949, era algo bem possível. Hoje, embora a atenção continue, um confronto atômico é pouco provável. Já os acidentes causam medo real.