Sede de governo palestino se abre a turistas de Israel

Antônio Assis
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DANIELA KRESCH 
GLOBO

RAMALLAH, Cisjordânia — Os turistas sacam máquinas fotográficas e registram imagens sem parar. Olham para todos os lados, curiosos com o que veem. Mas o grupo de visitantes israelenses não está em Paris, Londres ou no Rio. Visita Ramallah, o coração político e econômico da Cisjordânia, ponto nevrálgico da vida palestina na região. Depois de mais de uma década de separação completa, civis israelenses começam a se aventurar pelas cidades palestinas, curiosos para ver de perto o que só conhecem pelo noticiário da TV. Levados por ONGs e guias turísticos locais, eles veem, do outro lado dos postos de controle e da barreira de muros e cercas, como é a vida no território ocupado.

— Queremos mostrar que a Palestina é um lugar normal, com lojas, restaurantes, casas, pessoas nas ruas. Que nem todos os palestinos são terroristas suicidas. Queremos mudar a percepção dos israelenses — diz o guia turístico palestino Hassan Jubran. — Alguns ficam chocados, outros surpresos. Mas todos aprendem algo.Ramallah fica a apenas 10km de Jerusalém, mas, para a maioria dos israelenses, é como se ficasse do outro lado do planeta. Desde 2000, uma lei proíbe civis de entrarem em partes da Cisjordânia controladas pela Autoridade Nacional Palestina, alegando que é perigoso. A legislação foi aprovada no começo da Segunda Intifada (2000-2005), quando militantes palestinos cometeram dezenas de atentados em Israel e o exército reagiu com violentos ataques aos territórios palestinos. Quase uma década após o fim da Intifada, com a situação bem mais calma, apesar de repetidos fracassos na busca de um acordo de paz entre os lados, ONGs de direitos humanos começam a promover viagens turísticas a cidades palestinas como Ramallah, Belém e Jericó.

Jubran, um ex-militante que ficou meses preso numa cadeia israelense aos 17 anos por jogar pedras contra veículos militares, lidera hoje a série de tours “Quebrando os Muros”, da ONG IPCRI (Israel-Palestina: Iniciativas regionais criativas). Outras instituições também promovem viagens semelhantes, como a ONG Quebrando o Silêncio, formada por ex-soldados israelenses que se tornaram pacifistas.
Apesar da curta distância entre as cidades, os postos de controle que separam Israel da Cisjordânia transformam uma viagem que deveria ser de 20 minutos numa via-crúcis de mais de uma hora. Para evitar as enormes filas do maior checkpoint, o de Qalandyia (onde alguns palestinos levam três horas para passar, caso soldados israelenses considerem que há problemas em seus documentos), os turistas cruzam a fronteira pelo checkpoint de Hizma, destinado a diplomatas. É menos frequentado, mas é preciso dar uma volta maior, de no mínimo 30 minutos.
Como vive o outro lado
Ramallah surpreende os visitantes pela modernidade, incluindo hotéis cinco estrelas, restaurantes e boates. A cidade é, hoje, colada a três subúrbios (El-Bireh, Betunyia e Al-Ram), que formam um conglomerado com 250 mil habitantes. O trânsito caótico lembra qualquer outra metrópole. O investimento estrangeiro é percebido na quantidade de novos arranha-céus. Mas, por trás da normalidade, os guias contam aos turistas que o cotidiano é complicado. A falta de água corrente é constante, o que faz com que todas as casas e prédios tenham contêineres para coleta de água da chuva nos telhados. E, nas estradas em volta, os moradores nunca sabem quando encontrarão patrulhas do exército ou se irão se deparar com checkpoints improvisados.
— Fica ao nosso lado, mas não conhecemos nada. Para mim essa viagem é turismo, mas também é política. Temos que ver com nossos próprios olhos as consequências da ocupação — diz o israelense Benny Ruggill, de 29 anos, indignado com as restrições impostas por seu país. — As pessoas têm medo de vir aqui porque o governo nos amedronta dizendo que é perigoso. Mas a possibilidade de acontecer alguma coisa é zero — garante, sentindo-se seguro.
Benny é um ativista que já participou de manifestações pró-palestinos pela Cisjordânia. Seu perfil é o mais comum entre os turistas israelenses: eleitores de partidos de esquerda ou de centro que não concordam com a política do governo em relação aos palestinos. Mas o irmão mais novo de Benny, Michael, de 24 anos, é mais cético em relação ao que escuta.
Há apenas três anos, ele era um soldado que costumava realizar ações militares nos arredores de Ramallah. Durante o passeio, por exemplo, ouviu de moradores do vilarejo de Nabi Saleh sobre a violenta repressão israelense às passeatas semanais realizadas na aldeia. Os líderes desfiaram reclamações quanto aos soldados, que lançam gás lacrimogêneo, balas de borracha e bombas de efeito moral.
— É estranho ver as coisas pelo outro lado — admite Michael — Mas o que é apresentado é muito unilateral. Os palestinos não mostram como os protestos são violentos e provocadores.
Os passeios a Ramallah da IPCRI contam com cerca 50 participantes e são ministrados em inglês. Os turistas são levados, por exemplo, ao mausoléu do ex-presidente palestino Yasser Arafat, na Mukata, sede do governo palestino, onde dois guardas aceitam tirar fotos com os visitantes. Mas os guias fazem questão de levar os visitantes a locais mais problemáticos, como bairros empobrecidos e campos de refugiados, sempre expondo como a ocupação militar cerceia a vida local.

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