Blog do Josias de Souza
Como ocorre às vésperas de toda eleição, o espírito de bazar baixou na
política brasileira. Os partidos negociam seu tempo de propaganda no rádio e na
tevê à luz do dia, na frente das crianças. Barganha-se de tudo, com exceção da
mãe, que não tem valor de mercado. Há cenas constrangedoras, como a que aparece
na foto acima. Um encontro de Dilma Rousseff com Fernando Collor. Um rindo para
o outro, em comunhão fraternal de interesses.
Captada há quatro dias, essa imagem simboliza o paradoxo que aprisiona os
candidatos no Brasil: antes de se vender no horário eleitoral como protótipos do
avanço, eles entregam a alma ao atraso em troca de alguns minutos adicionais de
propaganda eleitoral. Com isso, o país vive sob uma eterna crise de compostura.
As ruas são incapazes de enxergar ética nos políticos. E os políticos são
incapazes de demonstrá-la.

No plano federal, a despeito de não ser mais o portento eleitoral que já foi,
Dilma ainda é vista pelos partidos como a principal perspectiva de poder. Por
isso, ela se revelou mais sedutora do que seus antagonistas. No ritmo que as
coisas caminham, Dilma conseguirá filiar Aécio Neves e Eduardo Campos ao MST, o
Movimento dos Sem Televisão.
Eleita em 2010 numa campanha em que teve 10min38s de propaganda diária, Dilma
vai à cruzada da reeleição com um latifúndio eletrônico jamais visto na história
das eleições do Brasil pós-redemocratização. Por ora, ela dispõe de algo como 14
minutos de propaganda diária. Chegará a 15min27 se Lula for bem sucedido no
esforço que empreende para enfiar um ainda reticente PR dentro da megacoligação
oficial. Aécio tem, por enquanto, um minifúndio de 5 minutos. Campos, pouco mais
de 2 minutos.
Dilma tem a aparência de uma mulher decente. Não apenas no sentido de
honesta, mas em todos os sentidos que a palavra engloba. Pelo que se sabe dela,
e até pelo seu jeitão, híspido como um cacto, a presidente tem uma boa cara. Mas
não há semblante austero que resista à confraternização com personagens como
Collor –escorraçado da Presidência em 1992, nas pegadas de uma CPI que teve o
ex-PT no papel de torquemada.
Dilma sorriu para Collor na quarta-feira (21), num almoço em que o partido do
senador, o PTB, entregou-lhe seus 49 segundos de propaganda. No dia seguinte, o
juiz federal Sérgio Moro, do Paraná, informaria ao STF que a Polícia Federal
encontrou numa batida no escritório do doleito Alberto Yosseff oito comprovantes
de depósito em favor do comensal de Dilma. No total, Collor recebeu do doleiro
pilhado na Operação Lava Jato a cifra de R$ 50 mil.
Ex-alvo do petismo, Collor é, hoje, autor de patrióticas nomeações na
diretoria da BR Distribuidora, braço da Petrobras. A mesma estatal em que atuou,
sob o patrocínio do PT e dos aliados PP e PMDB, o ex-diretor de Abastecimento
Paulo Roberto Costa, investigado na Lava Jato por suspeitas de ter servido de
escada para negócios que resultaram em comissões milionárias a políticos.
Na versão mais adocicada, Dilma faria nesse enredo apenas o papel de
presidente realista lidando com uma classe política nitidamente viciada e
adotando meios torpes para atingir fins nobres. O diabo é que esse tipo de
processo, além de já ter estourado o saco da plateia, aniquila qualquer
esperança que ainda possa existir de restauração das práticas políticas. Afinal,
se uma presidente de cara boa e um político safado ensinam a mesma coisa, de
onde virá a salvação?
Dilma não está só nesse esforço para desmoralizar a política. Aécio Neves
inclui em sua coligação o Solidariedade do deputado Paulo Pereira da Silva.
Conhecido como Paulinho da Força Sindical, o personagem não tem propriamente uma
boa biografia. Formou a sua legenda a partir de uma costela do PDT, engordada
por adesistas de vários matizes. Entre eles o deputado baiano Luiz Argôlo, outro
parceiro de tenebrosas relações monetárias com o doleiro Youseff.
Eduardo Campos faz pose de representante da “nova política”. Mas governou
Pernambuco a bordo de uma aliança em que coube de tudo –do PP de Severino
Cavalcanti ao PR de Inocêncio Oliveira. Deve-se a higienização do seu discurso a
exigências de Marina Silva. Antes da adesão da criadora da Rede, Campos
negociava alianças com o mensaleiro preso Roberto Jefferson (PTB) e com o
ex-ministro Carlos Lupi (PDT), afastado da pasta do Trabalho sob suspeita de
corrupção.
A desfaçatez se estende às campanhas estaduais. Em São Paulo, maior e mais
importante Estado da federação, o governador tucano Geraldo Alckmin ensopa a
camisa para conquistar o tempo de propaganda do PR de Valdemar Costa Neto, outro
mensaleiro preso. O rival petista Alexandre Padilha está na bica de se associar
ao PP de Paulo Maluf, alvejado no STF por um pedido de repatriação de R$ 53
milhões em verbas malversadas na prefeitura paulistana.
Enquanto forem tratadas como normais, as alianças partidárias esdrúxulas
continuarão fazendo do Brasil essa democracia em que a corrupção deixou de ser
rotina para virar uma emergência. Perdeu-se no caminho algo essencial: o recato.
Daí a sucessão de escândalos, um engolfando o outro. Para que a coisa se
resolva, algo de muito anormal precisa suceder no Brasil. Reforma política é
pouco. É preciso reformas a alma. Inclusive a do eleitor.