Por volta das 7 horas da manhã de 12 de julho de 1966, fiz uma conexão no
pátio de manobras do Aeroporto dos Guararapes, no Recife, desembarcando de uma
velha aeronave procedente de João Pessoa e seguindo viagem numa mais nova e bem
maior, para o Rio. Ia participar no Rio, como palestrante, de um debate sobre
cineclubismo no Nordeste, promovido pela Cinemateca do Museu de Arte Moderna –
MAM…
O então deputado Manoel Gaudêncio (que foi meu companheiro de viagem nos dois
voos, inclusive ocupando cadeira contígua à minha), quando saía da área de
recolhimento das bagagens, no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, foi
informado por um amigo de um grande ataque terrorista que havia ocorrido horas
antes, no Aeroporto dos Guararapes (Recife).
Como ele, fiquei gelado com o que acabava de ouvir… Sentamos num banco no
saguão do aeroporto, em busca de maiores informações e só então tomamos
conhecimento da gravidade do atentado: o seu alvo era o Ministro da Guerra,
general Costa e Silva, candidato à presidência da República.

COSTA E SILVA
Dois dias depois, já em São Paulo, quando estava assistindo ao filme “O Dólar
Furado”, no miniauditório da Universidade Casper Libero, fui chamado para
atender a um telefonema na diretoria e, na linha, bastante aflita, estava minha
mãe, informando que a Polícia Federal e o Exército tinham estado lá em casa à
minha procura. Sem me deixar falar, foi logo dizendo que estava certa de que as
“visitas” tinham relação direta com o atentado de Recife.
Fiquei “estatelado” e só encontrei uma solução para acalmá-la: como não tinha
nada a ver com essa bomba, disse que iria voltar para a Paraíba imediatamente e
entregar-me no 15º RI (Exército)”…
Em João Pessoa, fui visitar o ministro José Américo de Almeida, na então
deserta praia do Cabo Branco. Depois de dar total atenção às minhas informações,
com apartes adicionais de Zé Leal, o ministro foi objetivo: – “Assuntos de
militares só se resolvem com os militares. Vou falar com o “Reinardo” (puxando
bem a voz, referindo-se a seu filho general Reinaldo, nome de peso no Movimento
de 64) e tenho certeza de que, após tudo devidamente esclarecido, você não terá
mais problemas. Acho também, como todos aqui ventilaram, que você
espontaneamente deve se apresentar ao 15º RI, ou mesmo ao Grupamento de
Engenharia, e aguardar os resultados dos contatos que vou fazer”.
O SÓSIA
Fui informado naquele momento pelo ministro que mais de mil pessoas já
estavam presas no Nordeste, como parte das investigações sobre o atentado…
Saltei calmamente na porta do 15º RI, em Cruz das Armas, e me apresentei ao
oficial de dia. Levou-me para o primeiro andar, deixando-me sentado na
biblioteca…
Uma noticia do jornal “O Globo”, bem destacada, numa pagina dedicada ao
atentado, deixou-me alarmado. Dizia que as últimas investigações apontaram que a
bomba fora mesmo deixada por um homem de 25 anos, magro, alto e cabelos lisos.
(Como eu). E fiquei em estado de choque com uma outra : a sacola onde estava a
bomba fora deixada bem perto da porta de uma livraria no saguão principal do
aeroporto… (Onde quis comprar o “Diário de Pernambuco” mas já ia embarcar)…
Depois de vários dias de interrogatórios e louca prisão, fui solto.
Raimundo Gonçalves Fernandes, conhecido como “O Chico”, foi oficialmente
apontado como o homem que colocou a bomba no Aeroporto dos Guararapes. Foi morto
em 1971em confronto com “forças de repressão”).
WILLS LEAL
Esta historia surreal e aterradora não está sozinha. Vem ao lado de outras,
muitas e ainda mais fascinantes (prisão na Holanda por “traveller check”
falsificado por um agente de viagens angolano, sequestros no Paraguai e em João
Pessoa etc.) vividas e brilhantemente contadas pelo culto jornalista e professor
paraibano Wills Leal em um livro imperdível: “Primeiro de Abril, Antes e Depois
de 1964” (Editora Ideia – JP)