O último a voltar - Carlos Chagas

Antônio Assis
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Para marcar essa semana atípica, o governo prestou homenagem ao ex-presidente João Goulart, cujos restos mortais chegaram a Brasília com 37 anos de atraso. Foi emocionante verificar que o povo também participou.
A propósito de Jango, vai um episódio até agora guardado no fundo da memória. Ainda em março de 1969, logo depois de empossado, o presidente Costa e Silva viajou para Punta Del Este, onde se realizaria encontro entre os presidentes e primeiros-ministros do continente americano, com direito à presença do presidente Lyndon Johnson. Magalhães Pinto era o ministro  de  Relações Exteriores, empenhado num suposto processo de abertura política. Os Atos Institucionais 1 e 2 haviam caducado, com o país subordinado apenas à Constituição de 1967.  E, obviamente, ao poder militar.
Como o ex-presidente João Goulart se encontrava exilado, morando em Montevidéu, o chanceler brasileiro, claro que com a autorização do presidente da República, mandou um assessor transmitir ao ex-presidente algumas informações. Era o jornalista Villasboas Correa, à disposição de quem foi oferecido o automóvel do embaixador do Brasil em Buenos Aires, ali presente.

Na manhã da saída do Villas para a capital uruguaia, recebo o  convite para acompanhá-lo. Eu era repórter de O Globo e lá me encontrava para cobrir os trabalhos da conferência. Mas não ia perder a oportunidade de uma conversa com o ex-presidente, se fosse possível.
Fomos no escuro, sem a certeza  de que  Jango nos  receberia e nem mesmo sabendo onde  morava. Nossa  pista era um hotel modesto que havia sido alugado por Jango para dar emprego a dezenas de  marinheiros exilados e passando necessidades. Lá, procuramos o diretor do estabelecimento, deputado estadual por Pernambuco, também exilado. Ele levou algumas horas para contatar o ex-presidente e apenas horas depois, conduziu-nos ao modesto  apartamento onde ele nos esperava. Quem abriu a porta foi sua mulher, Maria Tereza e a conversa durou duas horas, quando foi serviço um cafezinho feito pela ex-primeira-dama. Villasboas Correa,  como um diplomata que não era, transmitiu o recado de Magalhães Pinto: os tempos pareciam de abertura e muitos exilados começavam a voltar. O chanceler temia que o ex-presidente fosse um deles, mas pedia cautela. Forçar a fechadura poderia quebrar a porta. Seria melhor que esperassem um pouco, já que as forças da repressão continuavam ativas  e dispostas  a encontrar pretextos para impedir a normalidade institucional. Jango percebeu o sentido da mensagem, disse que desejava sorte a Costa e Silva, na tentativa de acabar com o lado mais negro da ditadura, e concluiu com um raciocínio lapidar: “pode dizer ao Magalhães que eu serei o último a voltar. Enquanto existir um marinheiro exilado, passando dificuldades, estarei aqui, ao lado dele.”
Desnecessário dizer que O Globo do dia seguinte publicou ampla matéria de minha autoria, apresentando o que seria a primeira entrevista do ex-presidente no exílio. Infelizmente, só voltou morto…
SEMANA PROFÍCUA, CONFUSA E ATÍPICA
Profícua, a semana foi. Mas confusa, também. No Senado, finalmente aprovou-se a emenda constitucional que extingue o voto secreto em todas as votações parlamentares, quer dizer, no Congresso,  nas Assembléias  e nas Câmaras de Vereadores. Nada fácil, tendo em vista pronunciamentos candentes e divergentes. Houve momentos, na noite de quarta-feira, em que se imaginou  o impasse e o adiamento da matéria. Argumentos pró e contra o projeto acionaram os microfones até a decisão final, pela aprovação.
Ficou a dúvida, para ser resolvida na segunda votação: existem situações em que o voto secreto se justifica, como na decisão sobre a queda dos vetos presidenciais? Para uns, o sigilo evitaria que o Executivo viesse a perseguir senadores e deputados da base oficial flagrados votando contra os  interesses do palácio do Planalto. Outros, porém, sustentaram ser cada um responsável por seus atos e votos, dispondo o eleitor do direito de saber como se comportam seus representantes. Prevaleceu a tese de que não haverá mais como um parlamentar  esconder-se atrás do voto secreto, apesar de levar muitos deles a votar contra suas convicções por simples respeito humano, com medo de desagradar eventuais maiorias.
O mesmo desencontro  marcou a sessão do Supremo Tribunal  Federal, naquele dia. Poucos ministros  se entendiam, muitos chegaram a agressões verbais. O presidente Joaquim Barbosa chegou a falar em chicana, firulas e tentativas  de protelação do processo do mensalão e da prisão dos mensaleiros. Acabou vitorioso, mas não como pretendia. Para ele, 22 dos 25 condenados deveriam começar imediatamente a cumprir suas penas. No final, 15 tomaram o rumo da prisão em regime  fechado ou semi-aberto,  a começar pelas figuras mais evidentes, como José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares, Roberto Jefferson e Marcos Valério. Ficou clara a divergência  entre os 11 ministros da mais alta corte nacional de justiça.  Assim como a vaidade da maioria.
O ESSENCIAL DE JUSCELINO
Acaba de sair do prelo  “O Essencial de Juscelino”, do historiador Ronaldo Costa Couto. Entre tantos livros publicados a respeito do ex-presidente,  insere-se  esse na galeria dos mais importantes. Mostra JK por inteiro, em suas emoções e realizações. Imperdível.

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