Prédio em que presos políticos eram julgados é entregue a entidades

Antônio Assis
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PATRÍCIA BRITTO
FOLHA DE SÃO PAULO

Um dos símbolos da repressão durante a ditadura (1964-1985), a antiga sede da 2ª Auditoria Militar em São Paulo foi cedida nesta segunda-feira à OAB paulista e ao Núcleo de Preservação da Memória Política. 

No casarão da avenida Brigadeiro Luís Antônio, nº 1.249, no bairro da Bela Vista, foram julgados réus políticos --como a presidente Dilma Rousseff--, muitos deles condenados por lutar contra o regime. 

Propriedade da União, o prédio foi concedido por 20 anos, renováveis pelo mesmo período. Agora, as entidades querem captar recursos para transformá-lo em um memorial sobre advogados que defenderam presos políticos. 

Advogados e ex-presos reconheceram salas do prédio e apontaram locais onde acreditam ter havido torturas. "Os presos políticos de origem militar que não falavam o que os juízes queriam eram torturados aqui, como o cabo Mariane [ex-guerrilheiro]", disse o deputado estadual Adriano Diogo (PT), presidente da Comissão da Verdade paulista e idealizador da transformação do imóvel em um memorial. 

"[O prédio] Era uma estrutura de terror e agora se transforma num local de referência da memória das pessoas que lutaram contra o regime", disse a ex-presa política Rita Sipahi, que, após ser julgada no local, dividiu uma cela do presídio Tiradentes com a presidente Dilma, em 1971. 

O futuro memorial recebeu as primeiras doações a seu acervo: a transcrição do depoimento da advogada Therezinha Zerbini, fundadora do Movimento Feminista pela Anistia, e o documento conhecido como "Bagulhão", que foi elaborado por presos políticos em 1975 e lista instrumentos e práticas de tortura e traz os nomes de 233 pessoas acusadas de praticarem tortura. 

Representantes de diferentes religiões fizeram um ato ecumênico e pediram um minuto de silêncio pelas vítimas da ditadura que passaram pelo prédio. 

DEPOIMENTOS 

Antes da solenidade de cessão do imóvel, a Comissão da Verdade da OAB/SP realizou uma audiência pública na sede da Ordem e outra na Faculdade de Direito da USP, no largo São Francisco, e ouviu depoimentos de advogados como Idibal Pivetta, que, além de defender presos políticos, também foi perseguido e preso pelo regime. 

Os depoentes lembraram episódios como as prisões clandestinas, a suspensão do direito de habeas corpus e a perseguição aos defensores. 

"Era difícil e perigoso. Os defensores eram perseguidos, e muitos foram presos", disse a advogada Rosa Cardoso, que defendeu Dilma e coordena hoje a Comissão Nacional da Verdade. 

Colega de Rosa no colegiado nacional, o ex-ministro da Justiça e advogado José Carlos Dias homenageou os colegas e lembrou de um episódio em que ele foi até o Superior Tribunal Militar, em Brasília, e conseguiu a quebra da incomunicabilidade de Pivetta, quando este foi preso. "Eu tive essa gloria de ter sido advogado de um dos maiores advogados do país", disse Dias. 

"Todos nós, advogados de perseguidos políticos, vamos nos lembrar de episódios fortes que vivemos", afirmou o ex-ministro.

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