A pesquisa Datafolha feita às vésperas
da chegada do papa ao Brasil mostra que os católicos estão se tornando menos
numerosos, menos fiéis (vão pouco a missas) e menos obedientes (são tolerantes
para com temas que o Vaticano considera tabu). Este é, se quisermos, um retrato
quase perfeito do secularismo, o processo de transformação religiosa que é a
marca do Ocidente nos últimos 500 anos.
Um dos bons livros que peguei nestas
férias é "A Secular Age" (uma era secular), do filósofo Charles
Taylor. Ainda não terminei as quase 900 páginas da obra, escrita num estilo
acadêmico que não é exatamente cativante, mas já li o bastante para perceber que
se trata de um texto capital. Um de seus principais méritos é mostrar que a
narrativa-padrão, segundo a qual o avanço das ciências foi empurrando a
religião para as margens da sociedade, tem mais buracos do que um queijo suíço.
Em seu lugar, o autor apresenta uma
história bem mais rica e complexa, na qual o Iluminismo teve um papel, mas
menos determinante do que se apregoa. Tão ou mais importantes foram a Reforma,
o desencantamento do mundo (a magia perdeu credibilidade) e o advento do
deísmo, no qual a religião das Escrituras cedeu espaço para um Deus impessoal
deduzido da natureza pela razão.
Segundo Taylor, tudo isso somado e
outras coisas mais acabaram resultando numa revolução cognitiva que permitiu
que passássemos de um registro em que era virtualmente impossível não acreditar
em Deus, por volta de 1500, para um em que fazê-lo não só é fácil como até
inescapável. Hoje, no Ocidente, seguir ou não uma fé se tornou uma entre muitas
possibilidades de escolha individual.
Taylor é católico praticante, mas não
sei se sua obra, em que pese a tentativa de preservar espaço e sentido para a
religião, agrada muito ao Vaticano. Ela, afinal, consagra a ideia de
supermercado da fé que a Igreja Católica tanto combate.
Fonte: Folha de S.Paulo
NENA CABRAL COMENTA: VENCEMOS PARA ISSO ?
Na chegada, o carro do papa Francisco espremido entre táxis e ônibus, num baita
engarrafamento na avenida Presidente Vargas, centro do Rio, enquanto na larga
pista ao lado, interditada, não se via uma única bicicleta. Um vexame inexplicável.
Logo mais, no Palácio Guanabara, a presidente Dilma, em vez de um singelo
discurso de boas-vindas ao papa, puxou e leu um discurso maior do que o da
grande estrela do evento. Faltou "semancol".
Na mesma noite, enquanto o mundo queria saber a quantas andava o papa no
Brasil, o que se via era uma guerra campal entre policiais, vândalos e
infiltrados de toda ordem. Uma violência vergonhosa.
No dia seguinte, milhares de repórteres do mundo inteiro se esfalfavam para
registrar os preparativos do grande evento, enquanto cariocas e não cariocas
amargavam horas de pane no metrô da cidade anfitriã. Competência zero.
Ontem, com tudo vistoriado e checado, veio a grande conclusão: impossível fazer
a missa de encerramento em Guaratiba, no Rio. O local virou um mar de lama às
vésperas do "gran finale". A culpa é só da chuva?
Em meio a tudo isso, as notícias domésticas nos governos e na mídia são
desanimadoras: rombo histórico nas contas externas, emprego desacelerando,
arrecadação devagar, quase parando. Os brasileiros gastaram mais de US$ 12
bilhões lá fora no primeiro semestre, e os estrangeiros gastaram aqui menos em
junho de 2013 do que em junho de 2012 --apesar da Copa das Confederações. O
paraíso evapora.
Segundo o "New York Times", houve "tensão, erros e protestos
(contra Sérgio Cabral)" durante a visita do papa. E o "Chicago
Sun-Times", da cidade derrotada pelo Rio para a Olimpíada, indaga,
provocativo: "Perdemos para isso?".
Quando dão certo, papa, Copa e Olimpíada são alavancas eleitorais poderosas.
Quando dão errado, o efeito é proporcionalmente inverso.
Fonte: Folha de S.Paulo
NENA CABRAL COMENTA: O ABISMO NA EDUCAÇÃO
Os
resultados do Índice de Desenvolvimento Humano dos municípios brasileiros
(IDHM) mostram que o país melhorou bastante ao longo das últimas duas décadas.
Numa das mensurações mais eloquentes, 85,8% das cidades registravam um índice
classificado como "muito baixo" em 1991, proporção esta que passou a
0,6% em 2010.
Dadas as boas notícias, passemos a
analisar os desafios. O IDHM é composto por três dimensões: renda, longevidade
e educação, e todas elas evoluíram positivamente nestes 20 anos. O que chama a
atenção, entretanto, é que a educação, mesmo sendo a área que mais avançou, é
também a que puxa a nota global dos municípios para baixo. O desempenho do país
nesse campo ficou na faixa do desenvolvimento "médio", enquanto a
renda e a longevidade receberam respectivamente as qualificações
"alta" e "muito alta".
Este é, se quisermos, o retrato do
dilema em que o Brasil se encontra. A maioria dos municípios deixou para trás o
cenário de terra arrasada, no qual nada funciona, e já apresenta alguma
estrutura capaz de propiciar ensino e saúde à população. Para avançar a partir
daqui, porém, precisaremos cada vez mais de educação e o problema é que, apesar
das melhorias, ela ainda é péssima. Vale observar que o IDHM utiliza apenas
indicadores que aferem os anos de estudo, sem levar em conta a qualidade do
ensino ministrado --que é, de longe, a nossa principal falha.
Os sinais desse fosso educacional, que
faz com que menos da metade dos jovens concluam o ensino médio, já são visíveis
por todos os lados. Empresas têm dificuldades em preencher vagas para
trabalhadores mais qualificados. Faltam médicos e engenheiros. Contingentes
expressivos dos bacharéis em direito não conseguem passar na prova da OAB.
O pior de tudo é que não há muito o que
se possa fazer para mudar esse panorama num horizonte relativamente curto de
tempo.
Fonte: Folha de S. Paulo