NENA CABRAL COMENTA: QUE AINDA EXISTEM POLÍTICOS DE BOA ÍNDOLE COMO O PREFEITO NO INTERIOR DE SP

Antônio Assis
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Menos de oito meses após assumir o cargo, um prefeito do interior de São Paulo decidiu abrir mão do mandato. O motivo: descobriu que o salário era baixo demais em relação ao que ganhava como médico.
"Tinha dois rumos a seguir: ou voltava a trabalhar e ganhava meu dinheiro honestamente ou tirava da prefeitura", disse Márcio Faber (PV) à TV Globo, após deixar o cargo de prefeito em Paranapanema (a 261 km de São Paulo).
Faber afirmou que o salário de R$ 5.800 não chegava a 20% do que recebia como médico, R$ 30 mil. Por isso, afirma, estava em dificuldades financeiras.
A Folha tentou entrar em contato com Faber ontem, mas foi informada que ele já havia voltado a atuar como médico e não poderia atender à reportagem.
vice-prefeito Antonio Nakagawa (PV) disse ter sido pego de surpresa pela decisão. "Não imaginava, embora ele já comentasse que a situação não estava fácil", disse.
"Foi o maior exemplo de hombridade. É um caso inédito no Brasil, alguém renunciar para não roubar", disse.
Apesar das críticas, o agora ex-vice diz acreditar que a saída do prefeito não tenha contrariado eleitores. Mário Faber havia sido eleito em outubro com 55% dos votos. 
De acordo com a Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos. "Mas nada impede que ele exerça a profissão no seu consultório", diz Eduardo Pereira, presidente da Associação Brasileira de Municípios.
O novo prefeito diz que irá aceitar o salário. "Sou contador e aposentado, para mim é suficiente", diz.

Fonte: Folha de S.Paulo


NENA CABRAL COMENTA SOBRE AS VOLTAS E IDAS 


Os assuntos são variados, pode ser o aumento do seguro-desemprego ou a convocação de uma constituinte para a reforma política, medidas para diminuir a precariedade na saúde ou a liberação de recursos para a Copa. A manchete é que não muda, só nesta semana há pelo menos dez assim, nos jornais e sites de notícias: governo recua, governo volta atrás, governo suspende decisão, governo não confirma etc.
Juntem-se a isso as promessas não cumpridas ou os resultados muito aquém do anunciado, como baixar o preço da cesta básica ou da tarifa de energia; as tentativas de enganar a opinião pública, como nas mudanças do Código Florestal, em que atrasos são anunciados como avanços; e os anúncios faz de conta, como a bombástica declaração em rede nacional de que a miséria no Brasil acabou.
O que temos? Falta de rumo disfarçada com marketing.
Nos anos 90, os programas de auditório de domingo entregaram seus roteiros à aferição da audiência: "Está caindo, então encerra a entrevista e entra com o show musical, rápido, para aproveitar o intervalo comercial do concorrente". Dava certo na televisão. Dá errado no governo.
O anúncio de uma decisão não é a decisão. Pode iludir por algum tempo, mas não melhora o transporte, a saúde, a educação, a segurança, e, assim, a insatisfação vai se acumulando. Pior ainda é o recuo, a indefinição, o desmentido, o dito pelo não dito. Não se gerencia um país com balões de ensaio.
Insisto: o Brasil precisa definir uma agenda estratégica, em que as grandes reformas estejam articuladas com definições sociais e econômicas. É necessário redirecionar o desenvolvimento em parâmetros sustentáveis, colocar a economia na era das grandes mudanças culturais e ambientais, atualizar o sistema político e a gestão pública, ampliar a democracia e a participação cidadã, usar as novas tecnologias para o debate público e as decisões.
A mudança se faz com uma agenda democraticamente construída, com a participação não só dos que já se acostumaram a assentir, em cujos temas se trabalha buscando consensos públicos (bem diferente dos acordos de bastidores). A outra opção é a estagnação, mal disfarçada pela marquetagem. Infelizmente, esse é o rumo que hoje predomina. Uma governabilidade de coalizão, baseada na distribuição de nacos do Estado, captura as políticas públicas e sequestra as esperanças da sociedade. Para essa estagnação estão sendo arrastadas as instituições e todo o sistema político.
No sentimento da população, a agenda já está se definindo. Sem mudanças políticas e institucionais, o avanço será mais demorado e com maiores riscos de rupturas e conflitos, mas acontecerá, porque seu tempo chegou. E, nas prioridades anunciadas pelas ruas, não há volta atrás.
Fonte: Folha de S.Paulo

NENA CABRAL COMENTA: 'Cor ou raça'


Não morro de simpatia por cotas raciais. Há algo de incômodo, para não dizer sombrio, na ideia de que o Estado classifique cidadãos com base na cor da pele e outras características fenotípicas.
Mesmo com esse pé atrás, sou sensível aos argumentos de quem defende tais mecanismos de inclusão. Num mundo em que o curso universitário virou a principal mola de ascensão social, é complicado transformar o desempenho em provas (medida que, embora objetiva, encerra uma série de vieses) no critério único de admissão. Não vejo, assim, como absurdos programas de ação afirmativa que levem em conta raça.
O que me parece um desatino é a multiplicação das instâncias em que somos obrigados a declarar a que "cor ou raça" pertencemos. Agora, é praticamente impossível obter algum documento oficial --incluindo registros de nascimento, atestados de óbito, carteiras de trabalho-- sem preencher um quadradinho racial. Pesquisadores já não podem mais nem atualizar seu currículo Lattes na página do CNPq sem autoclassificar-se. Os órgãos menos autoritários ainda produzem formulários que oferecem a opção "não desejo declarar", mas a maioria não é tão tolerante.
Compreendo o interesse do governo em produzir dados que permitam incorporar a dimensão racial às análises estatísticas, mas a participação nessa empreitada, cujo valor científico é bastante discutível, deveria ser um convite, jamais uma imposição.
O linguista Roman Jakobson afirmava que o idioma falado por uma pessoa ajuda a moldar seu pensamento quando a força a explicitar distinções. Falantes do português vemos a Lua como essencialmente feminina, já os que se expressam em alemão pensam o satélite como algo masculino. Meu receio é que a burocracia, ao obrigar que pensemos a nós mesmos em termos de raça, contribua para naturalizar características que desejaríamos ver banidas das relações sociais.

Fonte: Folha de S.paulo

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