É senso comum nos meios políticos e empresariais que Dilma Rousseff precisa promover mudanças em seu primeiro escalão para demonstrar que tem ferramentas para retomar a confiança nos rumos da economia e o comando sobre sua tão extensa quanto desarrumada coalizão no Congresso.
Essa é uma constatação feita inclusive por ministros da presidente, que, na semana passada, chegavam a dar como certa a saída da combalida Ideli Salvatti da coordenação política e como provável a troca de Guido Mantega, na Fazenda, por um nome capaz de reconquistar o mercado.
A nota oficial divulgada no fim de semana dizendo que nada muda no primeiro escalão só não foi um banho de água fria maior porque a mesma Dilma, no início do ano, prometeu que não mexeria na equipe, para fazê-lo poucos dias depois.
Por outro lado, aliados da petista indagam: substituir Ideli e Mantega por quem? E mais: a troca de nomes vai mudar alguma coisa num cenário em que a articulação política é manietada, e a condução da economia, feita pela própria presidente?
Não há banco de reservas para a vaga de Ideli. Por ali já desfilaram nomes de vários partidos, com desempenho sofrível. O único que foi considerado razoável, pelo manejo do varejo, foi José Múcio, hoje no TCU.
Ideli tem sido submetida a constrangimentos públicos diários. Nas reuniões, não tenta nem disfarçar seu alheamento. Diante dos pedidos de senadores e deputados, sapeca um embaraçoso "a reitora não deixa'', numa referência a Dilma.
As opções aventadas para substitui-la não têm mais lastro político. Além disso, não é possível saber se os petistas à disposição para a tarefa trabalhariam por Dilma ou seriam infiltrados do "volta Lula'' no palácio.
Comentário corrente na base aliada mostra o dilema: um ministério em que pontifica Aloizio Mercadante dá sentido ao ditado segundo o qual em terra de cegos, quem tem um olho é rei.
Folha de S.Paulo
APRENDER A ENSINAR
A onda de protestos de junho reavivou o sentimento de que é necessário fazer algo para melhorar a educação no Brasil. A insatisfação, porém, ainda é vaga.
Sabe-se muito bem que o ensino é ruim e carece de recursos. Mas há incerteza ou polêmicas ásperas a respeito das causas da má qualidade da escola.
Reportagem do jornal "Valor Econômico" mostrou que, embora a proporção do PIB dedicada pelo governo brasileiro à educação seja semelhante à de países ricos, as despesas por estudante equivalem a 30% do gasto de tais nações.
Uma das expressões da falta de recursos é o baixo salário dos professores. Como consequência, não há incentivo para a seleção de profissionais mais ambiciosos nem condições de trabalho adequadas. Quem opta pelo magistério, se quiser melhorar a remuneração, precisa se dispersar entre vários empregos, em prejuízo da qualidade.
No entanto, dados a engessada estrutura de gastos do setor público, o nível de endividamento do governo e a carga tributária excessiva, não é possível despender mais em educação a não ser por meio de incrementos modestos. Reforça-se, assim, a necessidade de aproveitar melhor os recursos existentes.
O diagnóstico é conhecido, mas não trata do problema essencial. Falta o debate básico sobre o que se passa na sala de aula. Esse assunto não respeita apenas ao ensino público --alunos de escolas privadas também têm desempenho ruim nas provas internacionais.
Não se discutem a conduta dos professores, os assuntos a serem ensinados, o imenso currículo, o conteúdo dos livros didáticos e seus usos. Tampouco se definem os métodos mais eficazes ou o que deve ser padronizado.
Tanto pior, esses temas são mais relevantes se o contingente de professores é despreparado --o que, em boa medida, é o caso do Brasil.
A lista de deficiências continua. Em vez de guias nacionais de desempenho e metas de ensino, há uma confusão de redes escolares e dispersão de esforços e recursos em programas propagandísticos.
Escolas de excelência, com diversos computadores ou laboratórios exemplares ilustram o ponto --além de tais medidas não serem prioritárias, a escassez orçamentária impede que sejam replicadas.
Isso para nada dizer de questões mais pedestres: salas de aula em bom estado de conservação e limpeza, cadeiras, giz e livros.
Mais dinheiro para o setor dará conta apenas de parte desses problemas. Um plano continuado para a educação, no entanto, exige visão de longo prazo e uma reforma de alcance nacional.
Sem isso, a grita por mais recursos para melhorar o ensino pode resultar apenas em mais desperdício de verbas públicas.
Folha de S.Paulo
A presença maciça da classe média no movimento de protesto coloca em xeque, com mais ênfase, as contradições do partido.
Pressionado a oferecer respostas ao país, o governo federal improvisou uma constituinte restrita, rapidamente abandonada, e busca, por meio da proposta de um plebiscito de complexa elaboração, aprovar uma agenda que interessa muito mais ao PT do que ao Brasil.
Assim, o governo federal patrocina manobras que visam tirar o foco das legítimas reivindicações apresentadas pela população, oferecendo justamente mais daquilo de que os brasileiros demonstram estar fartos: desrespeito.
No recente evento dos dez anos do PT, a filósofa petista Marilena Chaui afirmou, sob aplausos, que odiava a classe média. E explicou: "A classe média é estupidez. É o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista. É uma abominação política, porque ela é fascista, uma abominação ética, porque ela é violenta, e é uma abominação cognitiva, porque ela é ignorante".
O leitor ficou chocado? O vídeo está no YouTube. Juntando-se essa fala raivosa e os protestos nas ruas, a conclusão é inevitável: o PT não gosta da classe média e por ela parece estar sendo correspondido na rejeição.
Os jovens questionam a forma tradicional de fazer política quando gritam: "O povo unido governa sem partido". A grande maioria deles nada tem de fascistas ou reacionários. Estão apenas expressando suas compreensíveis frustrações. Os manifestantes se insurgem contra os aproveitadores que viraram políticos, políticos que se elegeram governantes, governantes que se esbaldaram na corrupção, corrupção que impede a melhoria do transporte, da saúde e da educação. Uma ciranda como no poema de Drummond cujo nome é "Quadrilha", muito a propósito.
Um bom contraponto à intolerância de Marilena Chaui é um texto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de 2011. Nele, foi enfatizada a necessidade de maior diálogo com a classe média: "O caminho não se constrói apenas por partidos políticos, nem se limita ao jogo institucional. Ele brota também da sociedade, de seus blogs, tuítes, redes sociais, da mídia, das organizações da sociedade civil, enfim, é um processo coletivo. Não existe só uma oposição, a da arena institucional; existem vários focos de oposição, nas várias dimensões da sociedade".
Com 82 anos de idade, Fernando Henrique com certeza faria bonito na avenida Paulista, na Rio Branco ou na Afonso Pena dos dias de hoje.
Folha de S.Paulo