NENA CABRAL COMENTA TERRA DE CEGOS

Antônio Assis
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É senso comum nos meios políticos e empresariais que Dilma Rousseff precisa promover mudanças em seu primeiro escalão para demonstrar que tem ferramentas para retomar a confiança nos rumos da economia e o comando sobre sua tão extensa quanto desarrumada coalizão no Congresso.

Essa é uma constatação feita inclusive por ministros da presidente,‭ ‬que,‭ ‬na semana passada,‭ ‬chegavam a dar como certa a saída da combalida Ideli Salvatti da coordenação política e como provável a troca de Guido Mantega,‭ ‬na Fazenda,‭ ‬por um nome capaz de reconquistar o mercado.

A nota oficial divulgada no fim de semana dizendo que nada muda no primeiro escalão só não foi um banho de água fria maior porque a mesma Dilma,‭ ‬no início do ano,‭ ‬prometeu que não mexeria na equipe,‭ ‬para fazê-lo poucos dias depois.

Por outro lado,‭ ‬aliados da petista indagam:‭ ‬substituir Ideli e Mantega por quem‭? ‬E mais:‭ ‬a troca de nomes vai mudar alguma coisa num cenário em que a articulação política é manietada,‭ ‬e a condução da economia,‭ ‬feita pela própria presidente‭?

Não há banco de reservas para a vaga de Ideli.‭ ‬Por ali já desfilaram nomes de vários partidos,‭ ‬com desempenho sofrível.‭ ‬O único que foi considerado razoável,‭ ‬pelo manejo do varejo,‭ ‬foi José Múcio,‭ ‬hoje no TCU.

Ideli tem sido submetida a constrangimentos públicos diários.‭ ‬Nas reuniões,‭ ‬não tenta nem disfarçar seu alheamento.‭ ‬Diante dos pedidos de senadores e deputados,‭ ‬sapeca um embaraçoso‭ "‬a reitora não deixa‭''‬,‭ ‬numa referência a Dilma.

As opções aventadas para substitui-la não têm mais lastro político.‭ ‬Além disso,‭ ‬não é possível saber se os petistas à disposição para a tarefa trabalhariam por Dilma ou seriam infiltrados do‭ "‬volta Lula‭'' ‬no palácio.

Comentário corrente na base aliada mostra o dilema:‭ ‬um ministério em que pontifica Aloizio Mercadante dá sentido ao ditado segundo o qual em terra de cegos,‭ ‬quem tem um olho é rei.

Folha de S.Paulo


APRENDER A ENSINAR‭

A onda de protestos de junho reavivou o sentimento de que é necessário fazer algo para melhorar a educação no Brasil.‭ ‬A insatisfação,‭ ‬porém,‭ ‬ainda é vaga.

Sabe-se muito bem que o ensino é ruim e carece de recursos.‭ ‬Mas há incerteza ou polêmicas ásperas a respeito das causas da má qualidade da escola.

Reportagem do jornal‭ "‬Valor Econômico‭" ‬mostrou que,‭ ‬embora a proporção do PIB dedicada pelo governo brasileiro à educação seja semelhante à de países ricos,‭ ‬as despesas por estudante equivalem a‭ ‬30%‭ ‬do gasto de tais nações.

Uma das expressões da falta de recursos é o baixo salário dos professores.‭ ‬Como consequência,‭ ‬não há incentivo para a seleção de profissionais mais ambiciosos nem condições de trabalho adequadas.‭ ‬Quem opta pelo magistério,‭ ‬se quiser melhorar a remuneração,‭ ‬precisa se dispersar entre vários empregos,‭ ‬em prejuízo da qualidade.

No entanto,‭ ‬dados a engessada estrutura de gastos do setor público,‭ ‬o nível de endividamento do governo e a carga tributária excessiva,‭ ‬não é possível despender mais em educação a não ser por meio de incrementos modestos.‭ ‬Reforça-se,‭ ‬assim,‭ ‬a necessidade de aproveitar melhor os recursos existentes.

O diagnóstico é conhecido,‭ ‬mas não trata do problema essencial.‭ ‬Falta o debate básico sobre o que se passa na sala de aula.‭ ‬Esse assunto não respeita apenas ao ensino público‭ ‬--alunos de escolas privadas também têm desempenho ruim nas provas internacionais.

Não se discutem a conduta dos professores,‭ ‬os assuntos a serem ensinados,‭ ‬o imenso currículo,‭ ‬o conteúdo dos livros didáticos e seus usos.‭ ‬Tampouco se definem os métodos mais eficazes ou o que deve ser padronizado.

Tanto pior,‭ ‬esses temas são mais relevantes se o contingente de professores é despreparado‭ ‬--o que,‭ ‬em boa medida,‭ ‬é o caso do Brasil.

A lista de deficiências continua.‭ ‬Em vez de guias nacionais de desempenho e metas de ensino,‭ ‬há uma confusão de redes escolares e dispersão de esforços e recursos em programas propagandísticos.

Escolas de excelência,‭ ‬com diversos computadores ou laboratórios exemplares ilustram o ponto‭ ‬--além de tais medidas não serem prioritárias,‭ ‬a escassez orçamentária impede que sejam replicadas.

Isso para nada dizer de questões mais pedestres:‭ ‬salas de aula em bom estado de conservação e limpeza,‭ ‬cadeiras,‭ ‬giz e livros.

Mais dinheiro para o setor dará conta apenas de parte desses problemas.‭ ‬Um plano continuado para a educação,‭ ‬no entanto,‭ ‬exige visão de longo prazo e uma reforma de alcance nacional.

Sem isso,‭ ‬a grita por mais recursos para melhorar o ensino pode resultar apenas em mais desperdício de verbas públicas.

Folha de S.Paulo


A presença maciça da classe média no movimento de protesto coloca em xeque,‭ ‬com mais ênfase,‭ ‬as contradições do partido.

Pressionado a oferecer respostas ao país,‭ ‬o governo federal improvisou uma constituinte restrita,‭ ‬rapidamente abandonada,‭ ‬e busca,‭ ‬por meio da proposta de um plebiscito de complexa elaboração,‭ ‬aprovar uma agenda que interessa muito mais ao PT do que ao Brasil.

Assim,‭ ‬o governo federal patrocina manobras que visam tirar o foco das legítimas reivindicações apresentadas pela população,‭ ‬oferecendo justamente mais daquilo de que os brasileiros demonstram estar fartos:‭ ‬desrespeito.

No recente evento dos dez anos do PT,‭ ‬a filósofa petista Marilena Chaui afirmou,‭ ‬sob aplausos,‭ ‬que odiava a classe média.‭ ‬E explicou:‭ "‬A classe média é estupidez.‭ ‬É o que tem de reacionário,‭ ‬conservador,‭ ‬ignorante,‭ ‬petulante,‭ ‬arrogante,‭ ‬terrorista.‭ ‬É uma abominação política,‭ ‬porque ela é fascista,‭ ‬uma abominação ética,‭ ‬porque ela é violenta,‭ ‬e é uma abominação cognitiva,‭ ‬porque ela é ignorante‭"‬.

O leitor ficou chocado‭? ‬O vídeo está no YouTube.‭ ‬Juntando-se essa fala raivosa e os protestos nas ruas,‭ ‬a conclusão é inevitável:‭ ‬o PT não gosta da classe média e por ela parece estar sendo correspondido na rejeição.

Os jovens questionam a forma tradicional de fazer política quando gritam:‭ "‬O povo unido governa sem partido‭"‬.‭ ‬A grande maioria deles nada tem de fascistas ou reacionários.‭ ‬Estão apenas expressando suas compreensíveis frustrações.‭ ‬Os manifestantes se insurgem contra os aproveitadores que viraram políticos,‭ ‬políticos que se elegeram governantes,‭ ‬governantes que se esbaldaram na corrupção,‭ ‬corrupção que impede a melhoria do transporte,‭ ‬da saúde e da educação.‭ ‬Uma ciranda como no poema de Drummond cujo nome é‭ "‬Quadrilha‭"‬,‭ ‬muito a propósito.

Um bom contraponto à intolerância de Marilena Chaui é um texto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,‭ ‬de‭ ‬2011.‭ ‬Nele,‭ ‬foi enfatizada a necessidade de maior diálogo com a classe média:‭ "‬O caminho não se constrói apenas por partidos políticos,‭ ‬nem se limita ao jogo institucional.‭ ‬Ele brota também da sociedade,‭ ‬de seus blogs,‭ ‬tuítes,‭ ‬redes sociais,‭ ‬da mídia,‭ ‬das organizações da sociedade civil,‭ ‬enfim,‭ ‬é um processo coletivo.‭ ‬Não existe só uma oposição,‭ ‬a da arena institucional‭; ‬existem vários focos de oposição,‭ ‬nas várias dimensões da sociedade‭"‬.

Com‭ ‬82‭ ‬anos de idade,‭ ‬Fernando Henrique com certeza faria bonito na avenida Paulista,‭ ‬na Rio Branco ou na Afonso Pena dos dias de hoje.

Folha de S.Paulo

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