A derrota do neoliberalismo - Carlos Chagas

Antônio Assis
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Vale mergulhar um pouco mais fundo nas imagens que assustaram o Brasil, dias atrás, aliás, ainda não desaparecidas de nossas telinhas, mesmo  tendo passado o mais agudo das manifestações e protestos.   Por que o povo foi para as ruas, em especial os jovens, quase todos pacificamente, apesar das depredações, queima de carros, incêndios,  invasão de lojas comerciais e destruição de patrimônio público e privado, perpetrados por minorias de vândalos.

Qual a razão de multidões de jovens irem para as ruas, enfrentando a polícia e atropelando  tudo o que encontram pela frente?  Tornando difícil, às vezes quase  impossível a vida do cidadão comum, não apenas no Rio e São Paulo,  mas em montes de cidades.  Por que?

É preciso  notar que o protesto vem do povo,  começando pelos jovens, em especial da classe média, insurgidos contra a má qualidade dos serviços públicos, contra a corrupção e contra a exclusão deles nas decisões nacionais, estaduais e municipais.

Não dá  mais para dizer que essa monumental  revolta é outra solerte manobra do comunismo ateu e malvado. O comunismo acabou. Saiu pelo ralo.  A causa do que vai ocorrendo repousa  precisamente no extremo  oposto: trata-se do resultado do modelo neoliberal que exclui as massas e privilegia as elites. Da consequência de um pérfido  quadro  econômico e político que funciona para  as elites e os ricos, relegando  os demais à desimportância  e ao abandono.

É bom não esquecer: sempre que se registra uma crise econômica nas nações neoliberais, a receita é a mesma, seja na França ou na Grécia, em Portugal ou na Espanha: medidas de contenção anunciadas para reduzir salários, cortar gastos públicos,  demitir nas repartições e nas fábricas, aumentar impostos e taxas.  Esse é o perigo que nos ronda, porque sem dúvida os protestos e  manifestações dizem respeito às dificuldades porque passa a população.  Parece bom tomar cuidado

Fica evidente não se poder concordar com a violência.   Jamais justificá-la. Mas explicá-la, é possível.  Gente largada ao embuste da livre concorrência, explorados pelos mais fortes,   tiveram como primeira opção emigrar para regiões e cidades  mais  ricas, para  encontrar emprego, trabalho e   meio de sobrevivência, bem como transportes, educação, saúde e segurança públicas.   Invadiram as ruas.

Preparem-se os neoliberais. Os protestos não demoram a atingi-los diretamente. Fica impossível  empurrar por mais tempo com a barriga a  divisão do país  entre inferno e paraíso, entre  cidadãos de primeira e de segunda classe. Segunda?   Última classe, diria o bom senso.

Como refrear a  multidão  de jovens sem esperança, também  de homens feitos e até de idosos,  relegados à situação  secundária  em pleno século XXI?  Estabelecendo a ditadura, corolário mais do que certo do  neoliberalismo em agonia? Não   vai dar, à   medida em que os reclamos  se multiplicam  e a riqueza se acumula. Explodirá tudo.

Difícil não trazer esse raciocínio para o Brasil. Hoje, 40  milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza, sobrevivendo com a metade desse  obsceno salário mínimo que querem elevar para 540 reais. Apesar do Bolsa-Família.   Os bancos lucram bilhões a cada trimestre, enquanto cai o poder aquisitivo dos salários. Isso para quem consegue mantê-los, porque, apesar da propaganda oficial, o desemprego continua presente.   São 15 milhões de desempregados em todo  o  país, ou seja, gente que já  trabalhou com dignidade e hoje vive de biscates, ou, no reverso da medalha,  jovens que todos os anos gostariam de entrar  no mercado sem nunca ter trabalhado.

Alguns ingênuos imaginam que o assistencialismo resolve a questão, mas ele  só faz aumentar as diferenças de classe. É crueldade afirmar que a livre competição resolverá tudo, que um determinado cidadão era pobre e agora ficou rico. São exemplos da exceção,  jamais justificando a regra de que, para cada um que obtém sucesso, milhões  continuam de mãos abanando.

Seria bom o governo Dilma olhar em volta. O rastilho pegou e não será a polícia  que vai  apagá-lo. Ainda que consiga,   aqui e ali, reacenderá   maior   e mais forte pouco depois.

A globalização  tem, pelo menos, esse mérito: informa em tempo real ao mundo que a saída deixada às massas encontra-se na rebelião. Os que nada tem a perder já eram maioria, só que agora estão  adquirindo consciência, não só de suas perdas, mas da capacidade de recuperá-las através do grito de “basta”, “chega”, “não dá mais para continuar”.

Não devemos descrer da possibilidade de reconstrução.  O passado não está aí para que o  neguemos, senão para que o integremos. O passado é o nosso maior tesouro, na medida em que   não  nos dirá o que fazer,  mas precisamente o contrário. O passado  nos dirá sempre o que evitar.

Evitar,   por exemplo, salvadores da pátria que de tempos em tempos aparecem como detentores das verdades absolutas, donos de todas a soluções e proprietários de todas as promessas.

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